29 julho 2007

Trindade VIII - 29 de Julho de 2007

Profecia de Oséias 1.2-10
Salmo 85
Carta aos Colossenses 2.6-15 (16-19)
Evangelho de São Lucas 11.1-13

Ser perdoado

Um dos maiores desafios da vida espiritual consiste na acolhida ao perdão de Deus. Há algo em nós, seres humanos, que nos mantém agarrados aos nossos pecados e não permite que Deus apague nosso passado, além de nos oferecer um começo completamente novo. Por vezes, parece até que quero provar para Deus que minha escuridão é profunda demais para ser vencida. Embora Deus queira me restaurar à dignidade plena de filiação, continuo insistindo em permanecer como servo sob contrato. Será mesmo que desejo ser restaurado à responsabilidade plena de filho? Desejo mesmo ser totalmente perdoado de forma que um caminho absolutamente novo se torne possível? Confio mesmo em mim e em uma possibilidade tão radical? Quero mesmo romper com minha rebeldia profundamente enraizada contra Deus... e entregar-me tão absolutamente ao amor de Deus para que uma nova pessoa possa emergir? Receber perdão exige total disponibilidade para permitir que Deus seja Deus e faça Ele mesmo a cura toda, restaurando e renovando. Enquanto eu mesmo desejar ou insistir ser parte da cura, terei só soluções parciais, permanecendo como empregado, por exemplo. Como servo ou empregado remunerado, posso ainda manter minha distância, revoltar-me, rejeitar, embirrar, fugir, ou reclamar do pagamento. Como filho querido, devo pedir por minha dignidade plena, começando a preparar-me para ser, eu próprio, pai.
Henri J. M. Nouwen,
The Return of the Prodigal Son,
A Story of Homecoming,

London, 1994


Rembrant,
O Filho Pródigo

Crescendo

Se as crianças são aceitas em sua condição mesma, devemos perguntar-nos sobre o que nos previne, como adultos, de sermos adultos. Não somente pais, mas adultos em geral, adultos em sua organização social e suas escolhas políticas, todos devemos discernir o que significa sermos responsáveis pela nutrição e encaminhamento... na direção da sociedade humana, de novos sujeitos ainda em processo de formação. Um livro recente, de um teólogo católico-romano, meditando sobre o quadro de Rembrandt, O retorno do Filho Pródigo, conclui com uma reflexão sobre nossa dificuldade no papel de pais, comparado com a fácil identificação, seja com o filho mais velho, seja com o mais moço: - Não desejo só ser aquele que é perdoado, mas também aquele que perdoa; não só aquele que é bem vindo à casa, mas também aquele que recebe? - (Henri J. M. Nouwen, The Return of the Prodigal Son: A Story of Homecoming, London, 1994)

Uma sociedade que empurra à dependência e aos padrões frustrados de comportamento, não capacitará adultos e se sentirem - em casa - com seus limites e suas escolhas, de forma a tornar possível acolher ou nutrir aos que ainda permanecem dependentes, ou que estão ainda em busca de sua própria liberdade. Como é então, que somos nós encorajados... a compreender a natureza da escolha adulta em nosso próprio ambiente?
Rowan Williams,
Lost Icons: Reflections on Cultural Bereavement
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22 julho 2007

Trindade VII - 22 de Julho de 2007

Gênesis 18.1-10
Salmo 52
Colossenses 1.15-28
São Lucas 10.38-42

O Louvor de Marta

Bendita és tu, Marta, a quem o amor deu a confiança para falar.
Pelo fruto, a boca de Eva permaneceu fechada enquanto se escondia dentre as árvores.
Bendita é tua boca que se expressou forte, e com amor,
na mesa sobre a qual o Senhor estava reclinado.
Tu és maior que Sara que serviu aos servos, pois serviste ao próprio Senhor de todos.
Efrem (373), dos Hymns on Virginity and
on the Symbols of the Lord



A Pomba do Santo Espírito
Inspirada por Mosaicos da Igreja Primitiva, Roma, 1860


Contemplação e Ação

Conforme seus princípios dualistas, a teologia medieval muitas vezes estabeleceu uma ordem que, correspondendo à da vida espiritual e mundana - ou teoria e prática, valorizava mais a vida contemplativa que a
vita activa (a vida de ação). Mas era precisamente esta sobrevalorização da contemplação sobre o agir que grandes místicos como Eckhart e Teresa de Ávila criticaram e avançaram.

O texto relativo à esta visão, em termos do pensamento cristão, aparece na interpetação do relato do Novo Testamento sobre as duas irmãs, Marta e Maria... Uma atuou como hospedeira e a outra ouviu o ensino. Desde Santo Agostinho, a atenção quieta às palavras de Jesus e os cuidados incessantes das necessidades diárias do corpo foram interpretados como imagens da vita contemplativa e da vita activa. A primeira foi considerada como de maior valor, mais espiritual e mais essencial, enquanto que a outra, embora necessária, era de uma ordem inferior. Nesta tradição, Marta é tida como útil mas, de alguma forma, limitada, enquanto sua irmã é vista como espiritual, refinada e mais santa...

Meister Eckhart suscitou uma forte objeção contra isto.... Ele situa a ainda incompleta Maria bem no começo da vida espiritual enquanto que a Marta ativa já está bem adiante. - Marta temia que sua irmã permanecesse sem progresso... nos sentimentos de bem estar e doçura. É assim que este conselheiro espiritual reverte completamente o sentido bíblico do texto, o qual configura para Maria - a melhor parte - e, identificando-se a si próprio com a Marta ativista, diz - O Cristo falou e disse, - Fica em paz Marta, pois ela também escolheu a melhor parte. Isto (a inércia de Maria) vai ter fim... e ela será também bendita, como tu!-

Esta reversão não é só sobre a reabilitação de Marta e o comportamento ativo mas também sobre a abolição da divisão dos seres humanos entre ativistas e sonhadores, ativistas e introvertidos, e também a diferenciação entre a produtividade da ação e a receptividade da piedade. Ao não separar a ação de Marta da devoção contemplativa de Maria mas, antes, concebendo Maria
em Marta, Eckhart afasta a falsa supervalorização e a escolha compulsiva entre as duas formas de vida, a espiritual e a mundana. Na perspectiva do misticismo, esta hierarquia é insustentável. A verdadeira contemplação dá origem a ações justas; teoria e prática permanecem em conexão indissolúvel.
Dorothee Soelle,
The Silent Cry, Misticism and Resistence, 2001

13 julho 2007

Trindade VI - 15 de Julho de 2007


Deuteronômio 30.10-14
Salmo 82
Colossenses 1.1-14
São Lucas 10.25-37

BÊNÇÃO

Possa o Deus que dança na Criação
que nos abraça com amor humano,
que sacode nossas vidas como um trovão,
abençoar-nos e guiar-nos com poder
para encher o mundo com Sua justiça. Amém.
Janet Morley, All Desires Known



Deus criando as estrelas, Sano de Pietro,
século XV, Paris,
Figuras de Deus, Dominique Ponnau, UNESP


O Bom Samaritano e Outros

O sacerdote, o Levita e o homem que caiu nas mãos de salteadores se encontraram no céu para conversar sobre os velhos tempos. Como no céu não há passado ou futuro, descobriram-se bem em frente da hospedaria da estrada para Jericó.
"Eu me sinto terrível por não ter te ajudado," diz o sacerdote. "Mas eu não tinha um coraçao disponível o bastante. Continuo melhorando..."
"A última vez em que eu parei na estrada para ajudar alguém," disse o Levita, "fui agredido e me roubaram a carteira. Por isso, eu tive medo."

"Foi sorte eu estar no lugar certo e no tempo certo," disse o Samaritano. "não consigo parar de pensar; o óleo e o vinho serviram bem, as feridas cicatrizaram. Meu problema é que cheguei tarde para me envolver com o louvor."

O homem que fora assaltado tomou mais um gole de vinho. "A caridade começa em casa," disse, "...se eu tivesse mais cuidado, não teria caído naquela confusão toda. Mas sou muito grato a vocês os três. Precisamos muito de um passo para o lado... conforme a parábola! Sem ela, vocês nunca teriam sido salvos."
Stephen Mitchell, Parables and Portraits

09 julho 2007

Trindade V - 8 de Julho de 2007

Isaías 66.10-14
Salmo 30
Gálatas 6.14-18
São Lucas 10.1-12, 17-20

O Assombro e o Horror da Natureza

Assim como eu, muitos milhões de pessoas já devem ter se sentido horrorizados pela visão de documentários na TV que nos mostram a crueza - da vida na natureza. Uma série ficou particularmente bem conhecida. É O Planeta Vivo, de David Attenbourough. Como eu, devem ter sentido também a impotência diante da vida ou sobrevivência dentre os animais selvagens. Duas imagens permanecem: Primeiro, a de um pingüim macho que espera e resiste por três meses, na superfície gelada, cuidadosamente chocando um único ovo... equilibrado sobre seus pés. Enquanto a fêmea desaparece na busca de alimento, o macho ali permanece, virtualmente quieto, no frio mais absoluto, sem nada para comer, mês após mês. Quanto cuidado por um simples ovo! Como deve ser forte o impulso para permitir a vida de um filhote e assegurar a espécie.

A outra imagem é menos feliz. Trata-se de uma lagarta que poderá ser totalmente espicaçada e comida por formigas, se estas tiverem êxito em seu ataque. Para proteger-se, a lagarta produz uma resina que adere aos olhos das formigas. Desorientadas, passam a andar, perdidas, em roda. A elas junta-se também um odor estranho - da resina - e, assim, retornando para casa, dado o odor do inimigo, são atacadas e mortas como se fossem a lagarta mesma. São devoradas vivas por suas próprias semelhantes. Parece ser uma vingança cruel que não conseguimos compreender. Parece uma crueldade embutida na natureza mesma, sob muitas formas. Para muitos, esta percepção soa como pedra de tropeço para a fé em um Deus de amor, Autor de Criação.

O que se pode dizer? Primeiro, pelo menos, que aqueles animais não sabem de sua destinação. Nós é que podemos temer pelo que nos pode acontecer. Os animais não têm como antecipar tal pensamento. Também, diferentemente do que acontece com outros animais (cães, gatos, cavalos e outras espécies mais desenvolvidas...), parece que as formas mais inferiores de vida não sentem dor. Uma borboleta plana livre e, subitamente, desaparece ao ser engolida por um pássaro; mas ela não sabia o que iria acontecer, nem tinha conhecimento do processo mesmo - e até onde podemos supor - o que aconteceu não lhe foi doloroso. Enquanto voou com suas cores brilhando sob o sol, glorificou a Deus segundo a sua espécie. Ela foi ela mesma; viveu a forma de vida que Deus para ela preparou. Se é assim, há algo que se pode dizer... embora o efeito cumulativo - do - maior que engole o menor - ou seja, sem dúvida, muito triste. Foi este tipo de coisa e não a Teoria da Evolução o que desgastou a fé religiosa de Darwin! Nutrir-se e ser fonte de nutrição parece ser o padrão da natureza. O criador de um sistema assim não nos parece ser humano. Há aqui, contudo, uma advertência para que não pensemos em Deus em termos puramente humanos.
William Blake escreveu:

Tigre! Tigre! Brilho que queima
nas florestas da noite!
Que mãos ou olhos imortais
Poderiam emoldurar tua assimetria assustadora?

Estas são linhas que nos recordam do assombroso mistério da Criação. Nós pensamos humanamente, mas Deus pensa não só como nós... ele pensa também como tigre, como pássaro, como cobra, como estas criaturas. Ele as pensa e as conduz à existência.
Há dimensões de Deus refletidas na grandeza, maravilha e ameaças da natureza... que nossas pobres mentes nem podem imaginar. Contudo, somos deixados sem algo em que nos apoiar.
Para nós, Deus se revelou humanamente. Em Cristo, o nevoeiro dos mistérios se dissipa e percebemos o rosto humano de Deus. Somos humanos e Deus assim se relaciona com a humanidade.

Bendizemos Teu Santo Nome, ó Deus,
Pelo mistério e encanto da vida animal
Mas, acima de tudo... pelo fato de que, em Cristo
Tu nos encontras como um de nós.

D. Richard Harries, 41º Bispo da Diocese de Oxford,
Morning Has Broken




Criou, pois, Deus todos os sêres viventes... segundo as suas espécies.
E viu Deus que isso era bom. (Gênesis 1.21)



Disse Deus: e voem as aves...sob o firmamento dos céus. (Gênesis 1.20)


... e sobre a terra... (Gênesis 1.20)

CONFIANÇA

Lembremos sempre que há duas coisas mais incompatíveis que óleo e água - a saber, confiança e precupação. Você chamaria de atitude de confiança - se precisasse deixar algo a ser feito, em mãos de um amigo, e então passasse dias e noites com a cabeça cheia de ansiedade e preocupação, cogitando sobre se tudo teria mesmo sido feito de forma certa? Se você confiou em Deus... em algumas poucas coisas, Ele não falhou com você. Assim, confie agora para tudo, e veja se Ele não fará por você bem mais que... o que você jamais ousou ou pensou pedir.
Hannah Whitall Smith, A Religious Rebel

CONFIANÇA E VIDA NOVA

Se nós, em nossa vida humana, levamos a entrega a Deus a sério; se Deus nos invade como força da luz, como energia elementar, a única que possibilita uma vida nova - então seremos capazes de viver a nova vida.
Eberhard Arnold