03 novembro 2010

PALESTRA NO ENCONTRO DE FORMAÇÃO DO SERVIÇO ANGLICANO DE DIACONIA E DESENVOLIVMENTO


Bases bíblico-teológicas para a ação diaconal da Igreja na sociedade
Revdo. Dr. Humberto Maiztegui Gonçalves
Reitor do Seminário Dom Egmont Machado Krischke (SETEK)


1. DIANCONIA: Deus toma a iniciativa!

Toda a revelação bíblica mostra Deus agindo ANTES, tomando a iniciativa! No 1º Relato da Criação (Gn 1:1-2:4a) do CAOS do NÃO-VIDA a ação CRIADORA DE DEUS gera a VIDA e ADMIRA SUA OBRA, dizendo que: “era bom”. Deus admira e indica que o sentido da vida é “bom” (tov). Este primeiro relato finaliza como o DESCANSO ou SHABAT que, no contexto do Exílio Babilônico em que este relato foi gerado, consagra o direito DE TODAS AS PESSOAS A ADMIRAR E DESFRUTAR DO FRUTO CRIATIVO E PRODUTIVO DO TRABALHO.

A AÇÃO DIACONAL DE DEUS BUSCA:

1. GERAR VIDA DIANTE DO CAOS NÃO VIDA, PROMOVENDO O QUE É BOM!


2. GARANTIR O DIREITO HUMANO A DESFRUTAR DO RESULTADO DO TRABALHO DE DEUS (CRIAÇÃO) E DO TRABALHO HUMANO (PRODUÇÃO CO-CRIATIVA).

No segundo relato da CRIAÇÃO (2:4b-3:24) a ação DIACONAL envolve o FATOR HUMANO como CONDIÇÃO PARA A GERAÇÃO DE VIDA! Este relato foi gerado por pessoas que viviam no deserto ou nas proximidades que dependiam de um pouco de Terra Fértil (em hebraico adamáh) para sobreviver. Da palavra para “terra fértil” surge a palavra Adam ou “ser humano” (assim como no latim humus e humano). Dentro desta relação O SER HUMANO que deve CULTIVAR A TERRA, libertando seu potencial GERADOR DE VIDA. Junto com o fator humano há um FATOR NATURAL que é a ÁGUA através da qual se vincula a TERRA ao SER HUMANO! Veja que o próprio Humano é feito de terra e água! O Paraíso ou Édem era um lugar de onde estas famílias foram excluídas. O relato tenta explicar por que elas não podem, e não devem; retornar para lá. De um lado temos a CRIAÇÃO como TRABALHO CO-CRIATIVO ao e do outro o Éden como BEM RECEBIDO sem TRABALHO! O Éden que reúne os rios de todos os impérios conhecidos na época (Egito – Nilo, Mesopotâmica – Tigre e Eufrates, Sabá ou Etiópia – Guihón). Este é o PRIMEIRO CONFLITO DESTE RELATO: Projeto Participativo/Co-criativo XProjeto do Dependente/Consumista.
Representando o perigo CONSUMISTA está a SERPENTE símbolo do poder dos REIS DO EGITO! No desfecho, apesar das conseqüências dolorosas do CONFLITO (sofrimento, dores de parte, dificuldades do trabalho) se ANUNCIA A DESTRUIÇÃO DA SERPENTE pela MULHER que recebe o título de MÃE DE TODOS OS SERES VIVOS (3:24).


2. Êxodo: iniciativa de Deus no serviço como libertação!

A ação de DEUS independe da vontade humana. O Senhor Javé NÃO É CHAMADO pelo povo ou por algum representante à INTERVIR NA SITUAÇÃO DE OPRESSÃO, SOFRIMENTO e ESCRAVIZAÇÃO NO EGITO! Deus age porque OUVE O CLAMOR (Êx 3:7-9; 6:5). Da mesma forma é Deus que, sensível as situações de miséria, indignidade, abandono, injustiça, discriminação e exclusão sai na nossa frente e NOS CHAMA PARA O EXERCÍCIO DA DIACONIA. Como fez?

a. DEUS PROPÕE O PROJETO que gera UM NOVO POVO em UMA NOVA TERRA onde são oferecidas CONDIÇÕES PARA VIVER BEM (Êx 3:8 e 6:6-9). Deste ponto de vista trata-se de UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO e QUALIDADE DE VIDA.
Deus chama servos/servas para serem AGENTES DO PROCESSO LIBERTADOR DO POVO.
c. DEUS PROPÕE A METODOLOGIA DO DIÁLOGO EVIDENCIANDO O SEU CARÁTER LIBERTADOR E SUA PRESENÇA JUNTO AO SEU POVO (Nome: “TÔ QUE TÔ”) SENDO QUE o PROJETO LIBERTADOR PARA TODOS (incluindo os próprios AGENTES).


O PROJETO SE CONSTRÓI ATRAVÉS DE REIVINDICAÇÕES DE LIBERTAÇÃO (não apresentando todo o projeto ao opressor, mas apenas o ESSENCIAL para TEREM CONDIÇÕES DE MÍNIMAS DE CONTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS AO SISTEMA QUE OS OPRIMIA).
Inclui um PROCESSO DE CONSCIENTIZAÇÃO, ORAGANIZAÇÃO e PARTICIPAÇÃO NO PROJETO LIBERTADOR (Pragas/Páscoa – Êx 7 a 14).
Leva à CELEBRAR A VITÓRIA E CONTINUAR O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE FORMA AUTÔNOMA, mesmo que no DESERTO com novos desafios e dificuldades (Êx 15-19).

Não se faz DIACONIA sem PROJETO, mesmo que este não esteja totalmente escrito, mas é necessário saber o que ser quer quando se participa da ação diaconal libertadora e transformadora. Muitas vezes queremos ajudar pessoas apenas para CUMPRIR COM A LEI DE AMAR AO PRÓXIMO, mas aqui se trata também de AMAR A DEUS e buscar a realização da SUA VONTADE AMOROSA na HISTÓRIA.
Sendo assim, antes de pensar o que nos queremos fazer, como ação diaconal, devemos perguntar o que Deus quer ou para o que Deus está nos chamando. Certamente Moisés, Arão e Míriam levaram um susto com a tarefa proposta por Deus. Moisés diversas vezes questionou Deus (principalmente nos momentos de crise, como em Êx 17:4:

E clamou Moisés ao SENHOR, dizendo: Que farei a este povo? Daqui a pouco me apedrejará.


3. JESUS: A NOVA INICIATIVA DE VIDA E DIGNIDADE PARA TODAS AS PESSOAS.

Jesus apresenta sua ENCARNAÇÃO, seu MINISTÉRIO e sua DOAÇÃO em favor da VIDA como um PROCESSO DIACONAL, isto é, de SERVIÇO!
Bem como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos.(Mt 20:28; Mc 10:45)

Jesus é o exemplo supremo de diaconia como doação e plena generosidade. Ele não se doou em favor da humanidade por causa de qualquer coisa que tenhamos feito para “merecer” isso, ou porque estivesse em dívida conosco. Jesus exerce a diaconia por puro amor (João 3:16). Da mesma forma nossa ação diaconal é feita como AGRADECIMENTO pelo que DEUS EM CRISTO JÁ FEZ POR NÓS! A gratidão não a conseqüência da ação diaconal (ajudando outras pessoas na expectativa de que nos agradeçam), mas é A CAUSA da ação diaconal porque a realizamos, e nos doamos, em sinal de agradecimento pelo Deus já fez por nós e continua a fazer. Da mesma forma as pessoas que hoje são alvo de nossa ação são chamadas a expressarem seu agradecimento em ações diaconais para outras pessoas.

Jesus se coloca como SERVO dentro de um PROJETO RE-CRIADOR e LIBERTADOR (Lc 4:18-21). Este PROJETO RESGATA DE FORMA INCLUSIVA pessoas EXCLUÍDAS DE TODAS AS FORMAS E AS CAPACITA COMO AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO (Mt 11:1-6; Lc 7:22).


4. A VIDA COMUNITÁRIA como expressão suprema da ação diaconal!




  1. A questão da solidariedade para com as pessoas necessitadas motivou a ordenação dos primeiros diáconos em Jerusalém (Atos 6:1-6). O ministério para o qual estas 7 pessoas são escolhidas é “servir as mesas” (diaconia). A discussão se deu pela necessidade do serviço não discriminatório das viúvas de origem hebréia e de origem grega.

    O ministério diaconal se desenvolveu espontaneamente entre as mulheres como Febe (Rm 16:1). Mencionadas na Carta a Timóteo quando se regula o ministério diaconal (3:11) apesar de trocarem “as mulheres” por “as esposas”. Portanto, é o mais igualitários de todos os ministérios, não porque envolva serviço, no lugar de poder, mas porque envolver O PODER DE SERVIR.

    O apóstolo Paulo marcou boa parte do seu ministério pela ação solidária em favor das comunidades de Jerusalém (2 Coríntios 8-9). Onde elogia comunidades que, mesmo pobres, foram generosas (2 Cor 8:2); falando de “serviço” que “supre as necessidades” (8:4 e 9:12), isto é, “diaconias”.

    Na Primeira Carta de João a motivação é ainda mais radical! Lá se fala na “diaconia”, como maior expressão do Amor por Deus! (1 João 3:17), mesmo que use apenas a palavra “amor” e não “serviço”, algo semelhante ao dito pelo apóstolo Paulo em 1 Cor 13:3.


    5. Diaconia e Vida Eclesial na atualidade

    Kjell Nordstokke, afirma: “Não pode se imaginar uma práctica diaconal que não esteja enraizada na vivencia comunitária (...) essa ligação fundamental coma a vida comunitária implica em um questionamento radical da compreensão, bastante comum em nosso meio, que identifica a diaconia com projetos de desenvolvimento ou com instituições sociais sem uma mínima ligação com a comunidade local”.
    O mesmo autor aponta, por outro lado, para a importância das Instituições de Serviço mantidas pela Igreja, especialmente em projetos que exigem uma atuação mais ampla e que não podem ser inteiramente realizados pelas comunidades locais, exigindo um acompanhamento profissional especializado.
    (Teologia Prática no Contexto da América Latina. São Paulo/São Leopolodo: ASTE/Sinodal,1998; p. 277).
    Há Igrejas que tendem a canalizar sua ação diaconal através de entidades (ONGs, associações, fundações, etc.) com forte financiamento governamental ou através de projetos externos (cada vez menos), que funcionam de forma autônoma em relação à sua dinâmica eclesial e comunitária. Esta uma realidade que foi bem evidente na Diocese Anglicana do Uruguai. Por um lado isso, em um primeiro momento ofereceu um forte sustento institucional à Igreja, mas afastou, durante um bom período, a reflexão teológica e ação pastoral da ação diaconal e social.
    No Brasil essa não é nossa realidade, pelo contrário, deveríamos estudar mais e melhor como participar de projetos governamentais ou através de ONGs. Por outro lado, na medida em que isso venha acontecer devemos cuidar para manter uma ligação forte e clara com a vida eclesial.
    Outra questão, que muitas vezes passa por alto, é a importância da ação diaconal para ação político-pastoral da Igreja! Quando a Igreja é chamada a se manifestar em relação as grandes questões sociais, sobre políticas públicas, sobre realidade econômica, etc. Os projetos sociais deveriam ter um papel fundamental de assessoria aos Bispos/as Diocesanos/as e aos organismos provinciais, de forma de falar de uma realidade com a qual estamos, também, comprometidos/as como Igreja. Lembrem que dentro do ministério diaconal está o mandato de “traduzir para a Igreja as necessidades do mundo” (e este ministério não se limita apenas às pessoas ordenadas, mas a toda a ação diaconal da Igreja).

    6. Ação diaconal e Ação Ecumênica


    “A práxis diaconal tem sido um dos principais pilares do movimento ecumênico desde seus primórdios. Isso fica evidente no fato de que a igreja, em sua natureza, é ecumênica, um corpo cujos membros (igrejas locais) estão espalhados em todo o mundo habitado, e, ao mesmo tempo, é diaconal, no sentido de que os membros estão organicamente comprometidos com o cuidado mútuo”
    (Dr. Kjell Nordstokke. Diaconia . uma perspectiva ecumênica e global. Estudos Teológicos, v. 45, n. 1, p. 5-20, 2005, disponível em: http://www3.est.edu.br/publicacoes/estudos_teologicos/vol4501_2005/et2005-1a_knordstokke.pdf).

    Para o CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS: “O termo ‘diaconia’ se refere ao serviço como uma atividade permanente da igreja ao longo da história. A diaconia é essencial e fundamental para a vida na fé. É impossível imaginar a própria existência de uma comunhão de igrejas sem serviço compassivo e solidariedade para todos, com base no amor de Deus. Com o passar dos anos,o conceito de diaconia se expandiu, deixando de ser visto apenas como um serviço de compaixão para incluir o trabalho visando à mudança nas relações e estruturas sociais” (disponível em: http://wcc-coe.org/wcc/what/regional/index-e.html).

    A diaconia é essencialmente ecumênica. A ligação entre diaconia e ecumenismo é tão profunda que praticamente podemos dizer que quando esta relação não aparece o sentido da diaconia desaparece. Quanto mais Outro/a é a pessoa que servimos (lembrando da Parábola do Bom Samaritano – Lc 10:29-37) mais profundo é o sentido do serviço amoroso. Isso não quer dizer que não devamos “servir” as pessoas de nossa própria comunidade (cf. Gl 5:13). Mas, o diaconia nos leva sempre na descoberta da outra pessoa, da outra necessidade, da outra realidade, da outra possibilidade.

    7. DEZ PASSOS DO PROCESSO DIACONAL.


    1. Dialogar com AS PESSOAS, apresentando o PROJETO LIBERTADOR PARA TODOS (incluindo os próprios AGENTES).


  2. ECOAR AS REIVINDICAÇÕES DE LIBERTAÇÃO BUSCANDO AS CONDIÇÕES DE MÍNIMAS DE CONTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS AO SISTEMA OPRESSOR.


  3. A CONSCIENTIZAÇÃO, ORAGANIZAÇÃO e PARTICIPAÇÃO DE TODAS AS PESSOAS ENVOLVIDAS NO PROJETO LIBERTADOR .


  4. CELEBRAR A VITÓRIA E CONTINUIDADE SUTENTÁEL DA CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE FORMA AUTÔNOMA ENFRENTANDO JUNTOS/JUNTAS AS DIFICULDADES.


  5. RESGATAR DE FORMA INCLUSIVA PESSOAS EXCLUÍDAS DE TODAS AS FORMAS E AS CAPACITAR COMO AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO.


  6. DESMARCARAR OS FALSOS VALORES DA SOCIEDADE DOMINANTE.


  7. SERMOS PESSOAS CO-CONSTRUTORAS/CO-CRIADORAS DA VIDA.


  8. O SERVIÇO AMOROSO CANALIZANDO SABERES ESPECIALIZADOS E DONS, EM COMUNIDADE, COMO INSTRUMENTOS DE DEUS NA TRANSFORMAÇÃO DAS ESTRUTURAS INJUSTAS DA SOCIEADE E A DEFESA DA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO.


  9. A AÇÃO ECUMÊNICA E INTERRELIGIOSA BUSANDO UNIR FORÇÃS EM PROL DA JUSTIÇA, DA PAZ E DA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO A PARTIR DAS NECESSIDADES DAS PESSOAS E DA URGÊNCIA DA TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEADADE.


  10. GERAR VIDA DIANTE DO CAOS NÃO-VIDA, PROMOVENDO O QUE É BOM, JUSTO E AGRADÁVEL A DEUS!