30 dezembro 2007

Natividade de N. Sr. Jesus Cristo I

Leituras

Profecia de Isaías 61.10-62.3
Salmo 147.13-21
Carta de São Paulo aos Gálatas 3.23-25;4.4-7
Evangelho de São João 1.1-18


“O Verbo, Filho de Deus, juntamente com o Pai e o Espírito Santo, está essencial e presencialmente escondido no íntimo ser da alma. Para achá-lo, deve, portanto, sair de todas as coisas segundo a inclinação e a vontade e entrar em sumo recolhimento dentro de si mesma, considerando todas as coisas como se não existissem.
[S. João da Cruz. In: ‘Programa de vida’. “A Justiça é o Amor.” Cidade Nova editora, pg. 130.]

O período litúrgico do Natal e dos domingos subseqüentes, é um tempo propício para a reflexão da doutrina cristã da “Encarnação”. Os textos para a Grande Celebração da Natividade de N. Sr. Jesus Cristo e do 1º. Domingo após o Natal são os mesmos, exceto por algumas adições. A perícope do Salmo para este domingo, que faz parte da coleção dos salmos aleluiáticos, tem como centro da mensagem o v. 15 que diz: ‘O Senhor envia seu mandamento à terra, sua palavra percorre o mundo velozmente.’ (LOC). O termo “palavra” utilizado pelo salmista deriva da palavra hebraica dabar, que também pode ser traduzida por ‘acontecimento’. Já o termo grego utilizado no Evangelho de São João, é logos que pode ser traduzido por palavra, ou como as traduções mais clássicas que optaram por ‘verbo’ e que é entendido como o princípio organizador do universo. S. João introduz no hino cristológico do Prólogo do Evangelho (v. 9) que a palavra (verbo) de Yhwh era a Luz, descrevendo o caráter vitorioso da luz sobre as trevas. A oposição Luz-trevas também é encontrada no livro do Gênesis, onde existe um grande paralelismo literário com o Evangelho em que a Palavra se torna acontecimento. Deus cria o universo através dela! Em Gênesis o autor inicia com a palavra bereshit e no Evangelho com arché. Ambas procuram o cerne ontológico da existência, o núcleo de irradiação de toda a vida. Com a criação da luz se dissipam as trevas e abre caminho para a existência. Jesus Cristo é apresentado como Luz pré-existente por S. João, e por isso no argumento com os discípulos de S. João Batista, fica claro a idéia do Cristo pré-existente, àquele que já existia antes de João Batista e que verdadeiramente é Luz, idéia que será retomada no hino cristológico na Carta de São Paulo aos Filipenses. A nova Luz que é Cristo, rompe com a alienação vencendo a finitude e os conflitos existenciais da humanidade. Nesse princípio nossa existência é a participação no Novo Ser (regeneração), a aceitação do Novo Ser (Justificação) e a transformação pelo Novo Ser (santificação).
A ação do Logos devia concluir-se, aperfeiçoar-se na “carne”. Entretanto a presença do Logos no mundo não é vista, não é reconhecida. Deus cumpre suas promessas em Cristo. Quem o vê, vê também o Pai. O termo “carne” é utilizado em seu sentido integral, o ser humano todo. A metáfora utilizada por S. João subentende a idéia da “Tenda no deserto”, em que Deus habitava com o seu povo, reunindo-se com ele, caminhando com ele. O Verbo “habitou” (shekinah-eskenósen) também encontra seu paralelo em Filipenses com a palavra “esvaziou” (kenosis). Em Jesus habitava a Glória de Deus, entretanto como compreender a manifestação da Glória através da humildade da carne? O esvaziamento de si mesmo feito por Jesus é o grande mistério da Encarnação. O nascimento do Verbo é um mistério da doutrina da encarnação. Aqui não estamos no campo da Ginecologia, mas da Pneumatologia cristã, no que diz respeito à “partenogênese”. Através do Novo Testamento, compreendemos que Deus agora habita em nós, que somos pedras vivas do Templo espiritual que tem em Cristo sua Pedra fundamental. O auto-esvaziamento é a pista para o encontro com o Verbo, com a Luz que habita naqueles que o receberam.
O v. 19 do Salmo nos diz: “O Senhor proclamou sua palavra a Jacó”, como uma alusão dos benefícios da Lei (Torah) ao povo de Israel. São Paulo nos diz que após a chegada da “fé” (Cristo) estamos dispensados do “pedagogo” (Lei). Jesus é a plenitude da Palavra de Deus, superando assim toda a Lei, Ele comunica a Luz a todos e nos torna filhos de Deus e por essa adoção somos chamados por S. Paulo “herdeiros” da graça e verdade reveladas em Cristo. A coleta deste domingo nos diz sobre a nova luz e roga que essa nova luz brilhe em nossas vidas. Esse anseio exigirá o deslocamento de nossa própria inclinação e vontade, como S. João da Cruz nos ensina. O verbo está escondido no “íntimo da alma”, ou seja, ele “habita” no mistério de nós mesmos. Nos livros sapienciais, a palavra Verbo também é traduzida por Sabedoria, e nessa compreensão é a unidade que fundamenta todas as coisas, em contraposição a concepção atomista. Novamente aqui encontramos outro paralelo com Gênesis, em que o Espírito (ruach) pairava (rachaph), que pode ser traduzido por vibrar, excitar, mover. Isso quer dizer que todas as coisas estão firmadas por Deus “nele” e são preservadas por meio de sua presença nelas na existência e na vida contra a ameaça do caos. Todas as coisas “esperam” por ele. S. João no v.4 diz: O que foi feito nele é a vida (zoe). Cristo nos deu a vida e agora também somos chamados para resplandecer a Luz de Cristo ao mundo e partilhar da Vida em comunhão com toda a Criação.


23 dezembro 2007

Advento IV

Leituras


Profecia de Isaías 7.10-17
Salmo 24.1-7
Carta de São Paulo aos Romanos 1.1-7
Evangelho de São Mateus 1.18-25




Os textos do 4º. Domingo do Advento nos trazem alguns elementos fundamentais da cristologia e suas mensagens são de especial importância na espiritualidade que envolve toda a quadra litúrgica. O texto da Profecia de Isaías é base para a compreensão messiânica neotestamentária, para as confissões de fé do período sub-apostólico, comumentemente chamados de ‘credos’ e o embrião do mistério da encarnação. O filho anunciado no oráculo profético, chamado Emanuel ­na tensão de toda a situação política enfrentada pelo Rei Acaz, soa também como em muitos outros textos: “Eu estou contigo”. Para o rei Acaz, certamente a presença de Deus em meio à situação de conflito bélico eminente significava ‘proteção’, este é o sinal que Yahweh dá ao Povo de Deus. ‘Ele se alimentará de coalhada e mel’ (v. 15), é uma boa referência de que o filho da promessa no oráculo, bem ou mal, se alimentará daquilo que for possível. É importante não confundirmos a referência com expressões comuns ao pentateuco como leite e mel, que são sinais de fartura, abundância e prosperidade. Aqui em Isaías, a realidade é diferente. O Emanuel terá o necessário para sua sobrevivência. Entretanto, a promessa de salvação está garantida antes mesmo que o menino chegue à idade da razão.
O Salmo é um belo exemplo da Teologia régia, afirmando a soberania de Yahweh, estando em suas mãos os fundamentos da terra e o seu governo. O refrão do salmo pergunta: Quem é este rei da glória? Yahweh é o rei da glória! (Senhor dos Exércitos), referência também na liturgia cristã, presente no Sanctus – Senhor Deus dos exércitos (ou celestes hostes) – no LOC Deus do Universo. Toda a criação espera por seu rei: ‘os céus e a terra estão plenas da tua glória’, e ‘bendito o que vem em nome do Senhor’. É do Rei da Glória, o Emanuel que brota a esperança do Povo de Deus, da instalação do seu Reinado e Governo.
São Mateus retoma a promessa profética na aparição angélica em sonho à José. E insere um novo nome à criança, seu nome será Jesus, que é apresentado como o Emanuel da promessa profética. O mistério da encarnação desenvolve nas entrelinhas todo o esforço de Deus para redimir a humanidade, tomando para si a nossa natureza. Jesus é o ‘novo Adão’, o primeiro da nova criação, da nova humanidade.
Na coleta deste domingo, somos orientados à purificação de nossas consciências para a habitação de Jesus Cristo. Nossa consciência é a porta de entrada da esperança cristológica. Foi ao ouvir, e entender conscientemente que Maria acolheu o mistério da encarnação de Jesus. A consciência é o útero da esperança para a nova criação, para a novidade, de uma nova humanidade. É através de sua pureza que somos ‘moradas’ de Jesus. Certamente a imagem metafórica da pobre manjedoura pode ser aplicada aqui. Nossas consciências não são mais que isso. Mas que em sua humildade em aceitar a Cristo, mesmo sem muita compreensão do mistério salvífico de Deus, pode perfumar o mundo com o suave incenso da pureza à qual a coleta nos convoca. Assim, preparemos nossas vidas, ‘abrindo os portais’ de nossos sentidos e razão, para que Cristo habite em nós e em nós faça sua morada. Ele é o Emanuel e sua promessa de que sempre estará conosco é real.

16 dezembro 2007

Advento III

Leituras

Profecia de Isaías 35.1-6, 10
Salmo 146.1-9
Carta de São Tiago 5.7-10
Evangelho de São Mateus 11.2-11



As leituras têm um sentido muito vívido da vinda de Deus, ou da vinda do Messias, como algo profundamente transformador. A Escritura é incansável em sua convicção de que nada do que é opressivo, torto ou de morte... permaneça como está. O poder de Deus e a paixão de Deus convergem para criar uma novidade absolutamente possível. As promessas da possibilidade messiânica trabalham contra nossa exaustão, nosso desespero e nosso senso de sujeição aos fatalismos.
A novidade é realmente possível. A comunidade espera por novidade; e tem razões para assim fazê-lo, mas somente porque se recorda da novidade dada no passado. O salmo para hoje provê um sumário inclusivo dos milagres trabalhados por Deus no passado, no sentido de fazer com que a vida nova seja mesmo possível.
Com este legado de memória e antecipação, somos capazes de discernir o Senhor Jesus de outra forma. É na vida e ministério de Jesus que estas grandes expectativas de Israel tomam corpo concretamente. Jesus é lembrado e celebrado como Aquele que permite que a vida humana recomece.
O oráculo profético, o salmo e o santo evangelho, todos se movem na direção do que há de factível na leitura da Epístola. A insistência da Epístola é a de que permitamos a convicção da possibilidade de uma nova humanidade... como algo que penetre ou permeie a vida toda, de tal forma que a perspectiva dos fiéis seja transbordante, diante do sofrimento aparentemente permanente. A comunidade dos fiéis crê, por caminhos cósmicos e íntimos, que a vontade de Deus pelo bem estar do mundo realmente prevalecerá sobre tudo o que é torto e patológico. A Igreja, no Advento, recorda desta novidade acontecendo em Jesus e se prepara para a afirmação de que Deus trabalha justamente agora para apresentar o mundo ao bem estar poderoso de Deus.
Ao abraçar esta esperança, os cristãos se distinguem tanto do desesperado, que não crê que alguma coisa possa mudar, e do auto-suficiente que acredita em si mesmo, trabalhando pela novidade. Nossa vida, confrontada com estas duas tentações, se volta para a realidade de Deus, o Deus verdadeiro que discernimos em nosso presente e ao qual confiamos nosso futuro.

09 dezembro 2007

II Domingo do Advento

Leituras

Profecia de Isaías 11.1-10
Salmo 72.1-8
Carta aos Romanos 15.4-9
Evangelho de São Mateus 3.1-12


“A comunidade da fé espera por um longo tempo. A substância desta esperança, tão profundamente enraizada no Antigo Testamento, é persistente e resistente. Ambos, tanto o oráculo profético e o salmo atestam que Israel espera por justiça, paz e bem estar.. A comunidade bíblica conhece a intenção de Deus sobre estas coisas e confia em sua promessa fiel. É assim que o Advento começa com a visão de uma alternativa de cura para a humanidade.
A Igreja do Novo Testamento permanece em conexão bem próxima com o Antigo Testamento. Cristãos esperam com judeus e esperam ambos pela mesma coisa, o bem estar do mundo curado, bendito e amparado por Deus. As leituras do Novo Testamento reafirmam e intensificam as esperanças além de fazer das promessas de Deus um prospecto imediato.. A intensidade e o tempo presente da fé do Novo Testamento anda em torno da presença de Jesus, sendo Ele mesmo quem inicia um novo começo no mundo.Os crentes percebem o mundo diferentemente e se posicionam diante dos novos dons de Deus.
Os textos do Advento, de promessa e expectativa, nos convocam, violando nossa racionalidade e pondo em risco nossos padrões de segurança. No Advento a Igreja vigia para poder perceber onde Deus está criando justiça, paz e bem estar. Onde e quando isto acontece, as promessas de Deus estão em movimento... em direção da novidade. Cabe a nós perceber e receber tudo isto com ânsia e alegria.”

James D. Newsome e outros, A Lectionary Commentary...

“As leituras para o Advento caracterizam a esperança como algo visível, público, partilhado e ansiado. O que Deus prometeu e o que Deus nos dará é uma mudança profunda e estrutural nas relações sociais, finalmente submetidas ao propósito de Deus e sua vontade. É por esta razão que as raízes do Antigo Testamento da esperança do Advento são esboçadas numa imagem de realeza. O rei traz justiça aos fracos... o novo rei torna possível um novo mundo. Mas o novo mundo não é só uma expressão piedosa da esperança que chegaremos a fruir automaticamente ou por osmose. A novidade é uma realidade intrusiva que rompe com tudo o que é velho e destrutivo. Isto impõe uma decisão tanto desafiadora quanto custosa. É custosa porque somos beneficiários de padrões de vida antigos e de morte. O Evangelho nos convida e adverte de que devemos tomar decisões concretas no sentido de reordenar nossa vida de forma apropriada à nova intenção de Deus.
São Paulo, como pastor, pratica a exigência mais concreta e imediata. A nova conduta consiste na prática imediata na Igreja do caminho em que fortes e fracos, os de posse e os pobres, se relacionam uns com os outros em uma nova fidelidade. O Advento suscita a necessidade de colocarmos nossa vida diária em sintonia com o governo de Deus. São a energia e o poder de Deus, (o vento de Deus), que nos podem autorizar e capacitar a receber o novo rei e alegrar-nos em sua obediência, servindo ao próximo. Com este fortalecimento nos sentimos encantados pelo fato de que a criação inteira pode recomeçar, curada, restaurada e perdoada. A novidade das novas de Deus é que se trata de fato de boas novas. Podemos abraçá-las e agir a partir delas.”

James D. Newsome e outros, A Lectionary Commentary...

02 dezembro 2007

I Domingo do Advento

Leituras

Profecia de Isaías 2.1-5
Salmo 122
Carta aos Romanos 13.11-14
Santo Evangelho de São Mateus 24.37-44



O Messias: Jesus no Evangelho de São Mateus

“Todos os quatro Evangelhos têm fortes vínculos com o Antigo Testamento. Temas e textos das escrituras hebraicas lançam luz sobre a mensagem do Novo Testamento e ajudam a evidenciar sua significação. Dos quatro, São Mateus é o que torna esta conexão mais evidente. O Antigo Testamento era sua Bíblia e muitos dos seus primeiros leitores deviam estar também familiarizados com esta proximidade. Em seu Evangelho, São Mateus mostrou alguns dos fios ligando o passado ao presente, conectando a herança e a escritura de Israel às boas novas de Jesus.
Os autores dos Evangelhos eram pastores, escrevendo para ajudar as pessoas a crescerem na vida cristã. As formas como contavam a história de Jesus eram formatadas por sua experiência pessoal, pela proximidade com o povo e com as comunidades nas quais viviam. O Evangelho de São Mateus se apresenta bem judeu em seu estilo e em sua constante atenção ao Antigo Testamento. Ele certamente escreveu tendo em mente o povo judeu.
Esta a origem de São Mateus e ele descobriu em Jesus a realização da antiga fé de seu povo. Ele acreditava que Jesus era o Messias prometido e desejava que seus leitores cressem também como ele. Deus não apagara a herança anunciada mas a fazia chegar a um feliz momento novo. O Messias viera. Havia novas razões para confiar e surgia também um sentido novo na velha estória.
Lendo o Evangelho se percebe as formas como São Mateus escreve sobre Jesus. Sempre de novo se ouve ecos do Antigo Testamento ressoando com as notas da estória do Evangelho. Como o Advento hoje inicia, é bom olhar, na fé, bem para trás... para os propósitos de Deus ao longo dos anos. O tempo é seu território.
De qualquer forma, a maior parte dos cristãos que lêem o Evangelho em nossos dias não é de judeus. Assim, não iniciamos como muitos dos leitores de São Mateus começaram: Eles conheciam o Antigo Testamento e precisavam de ajuda para percebê-lo cumprido no Evangelho. Nós já conhecemos o Evangelho, mas por vezes esquecemos de onde ele nos vem. O Evangelho de São Mateus é uma grande lembrança de que a fé da Igreja vem de Israel. Nossa fé é judaica em suas raízes e está hoje por toda parte difundida. O Evangelho de São Mateus nos recorda destas raízes e nos ajuda a escutar a melodia do Evangelho no ritmo da fé do Antigo Testamento. Na música toda da Escritura Sagrada, ouvimos a voz de Deus. Jesus é o Messias, o eixo mesmo da Escritura, a esperança do Antigo Testamento, a batida cardíaca do Novo.”


John Proctor, The New Day Light, BRF

25 novembro 2007

Festa de Cristo Rei

Leituras

II Samuel 5.1-3
Salmo 46
Colossenses 1.12-20
São Lucas 23.35-43



“Lembra-te de mim!”

O que deveríamos observar aqui é a aceitação, de parte de Jesus, do ladrão arrependido... e também a promessa gloriosa de tomá-lo através do rio até o jardim do paraíso de Deus. E tudo isto não acontece com base em mérito, boas obras ou bondade humana mas simplesmente porque o ladrão se reconhecia como alma pecadora e sem recursos, na hora da sua agonia mortal. Ele a ninguém tinha para voltar-se e só Jesus estava ao seu lado. Se há uma alma que manifeste a alegria da salvação por causa da fé, ovelha perdida sendo encontrada, ou filho pródigo retornando ao pai ansioso - é este homem mesmo!
Ele chamou Jesus por Seu próprio nome – e o nome de Jesus é símbolo e meio de salvação. Todo noviço, ao ingressar na vida monástica Ortodoxa, no Monte Atos, recebe um cíngulo de oração e instruções simples para rezar a Oração de Jesus: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem misericórdia de mim, pecador.”
Esta é a oração básica que tenho orado por vinte e cinco anos, e é também a que me carregará aos braços de meu Senhor Jesus, na vida e na morte. É a oração que continuamente ressoa em meu coração e que me junta ao Seu coração – a oração que se funda no nome salvador de Jesus, e que o testemunha como o nome de Salvador do mundo.

Br. Ramon, When They Crucified My Lord: Through lenten Sorrow to Easter Joy

Uma Vida de Serviço

A originalidade de Jesus não está em sua espiritualização do Reino mas, bem ao contrário, no fato de que Ele viu a realização das esperanças terrenas de forma muito mais radical que muitos dos seus contemporâneos. Ele não entendeu a luta contra a injustiça e opressão como se fosse em primeiro lugar uma guerra santa contra os romanos. Isto não significa que a libertação da opressão não incluísse a liberdade do jugo romano. Jesus olhava mais profundamente que a simples opressão de Israel sob Roma. Ele ponderava sobre as raízes da opressão. Ele, em verdade, percebia como o amor ao prestígio, ao poder e à riqueza faz com que as pessoas busquem a dominação e senhorio sobre outras. A menos que esta gana por domínio seja vencida, mesmo uma luta bem sucedida por libertação somente substituirá uma opressão por outra. Jesus procura modelar, em Sua própria vida, um novo conceito de liderança fundado em serviço aos outros, mesmo serviço até à morte. É este o modelo que Ele deseja incutir em seus seguidores. Na nova comunidade, em vida de serviço aos outros, a paixão pela dominação é ceifada desde as raízes.

Rosemary Radford Ruether, To Change the World: Christology and Cultural Criticism

17 novembro 2007

II Domingo Anterior ao Advento

Leituras

Profecia de Malaquias 3. 19-20
Salmo 98.5-10
II Tessalonicenses 3.7-12
São Lucas 21.5-19




Os céus e a terra se alegrarão

Meditemos por um momento o poema de Isaías 65.17-25, deixando que ele penetre até os nossos ossos, nosso coração e também nossa visão. Deus fala: “Novo céu, nova terra, nova Jerusalém.” Quando a novidade chegar veremos um mundo de alegria. Sabemos por que?
Os céus e a terra se regozijarão porque, neste mundo novo trabalhado por Deus, não mais haverá o som do choro, nem mais sem-teto a clamar, não mais pessoas esmagadas a gemer, não mais pessoas aterrorizadas e em pânico.
Os céus e a terra se alegrarão porque no novo mundo edificado por Deus não haverá mais mortalidade infantil, nem mais crianças que só vivam poucos dias, ou idosos que morrerão cedo demais ou que vivam tão pobremente, ou se fechem como conchas enquanto a vida se vai.
Céus e terra se alegrarão porque neste mundo novo erguido por Deus não mais acontecerá a usurpação dos lares de tantos. Aqueles que constroem, aí poderão permanecer, os que plantam sobreviverão para colher e aproveitar a produção. Não mais haverá gente expulsa de suas casas, não mais se perderá lares vulneráveis para o direito do mais forte, não mais a rapacidade da guerra, não mais o menor sendo engolido pelo maior. Quando a novidade chegar, toda pessoa viverá sob a parreira e a figueira, a salvo, sem medo, em paz, e não mais haverá ameaça destrutiva ou ansiedade competitiva.
Céus e terra se alegrarão porque neste novo mundo de Deus, não mais haverá trabalho em vão, nem nascimento em aflição, nem crianças amamentadas sob angústia, insegurança e medo, porque Deus as abençoará e fará com que a força da vida em toda parte seja palpável. Pessoas e famílias viverão com bem estar, sem perigos ou tristeza.
Céus e terra se alegrarão porque neste mundo novo de Deus, Ele estará atento. Deus será como a mãe que ouve e responde durante a noite sabendo, antes que a chamemos, quem está em necessidade e o que é necessário. E jamais seremos deixados sozinhos.

Walter Brueggemann, The Threat of Life, Sermons on Pain, Power and Weakness





11 novembro 2007

III Domingo Anterior ao Advento

Leituras

Jó 10.23-27a
Salmo 17.1-8
II Tessalonicenses 2.13—3.5
São Lucas 20.27-38



Refletindo sobre a Morte

A consciência da morte, ou a reflexão sobre morte e o morrer, podem proporcionar harmonia e paz para as nossas vidas. Evitamos pensar na morte porque não encaramos os nossos temores...
A simples reflexão sobre a morte nos pode ajudar a recordar os valores importantes de nossa vida, além de redirecionar nossa energia. Sabendo que temos um tempo limitado recebemos a chance de reconquistar um sentido
verdadeiro de nossa relação com o eu, com os outros e com Deus, situando-nos na plenitude do momento.
Use um pouco de tempo esta noite. Acalme-se, talvez usando uma técnica de respiração, e diga a si mesmo, - eu vou morrer - . Deixe que esta consciência o desperte na profundidade do momento presente e talvez mesmo o conduza à uma conversação consigo mesmo sobre as riquezas do dia e das pessoas pelas quais você é grato. Encerre com uma oração: Eterno Deus, dá-me consciência de minha morte para que eu possa estar aberto aos valores verdadeiros de minha vida e aprenda a gratidão por todas as tuas bênçãos. Permite que eu experimente a vida de uma outra forma, pela lembrança da morte como tão comum quanto a vida. E encontre assim, força na promessa da ressurreição.
Wayne Simsic, Pray without Ceasing: Mindfulness of God in the Daily Life


Deus nos alcança um futuro

Deus, dá-nos um futuro
em que ousemos andar
na direção de sonhos e perigos
num caminho desconhecido.
Veremos o amanhã
no poder do Espírito,
deixaremos que Deus nos mude
pois a vida nova começa agora.

Devemos deixar para trás
nossos pecados de ontem,
pois o novo começo de Deus
é o caminho melhor.
Medo, dúvida e hábitos
não nos devem prender:
Deus nos dá esperança, discernimento
e a força que não temos.

Santo Espírito, ensina-nos
como ler os sinais,
como enfrentar aos desafios
dos nossos tempos atribulados.
Com amor, leva-nos à ação
chama-nos à oração,
até que escolhamos a vida de Deus, e
aí encontremos nosso futuro.

Elizabeth J. Smith, Songs for a Hopeful Church

04 novembro 2007

IV Domingo Anterior ao Advento

Leituras

Sabedoria 11.22—12.2
Salmo 32.1-8
II Tessalonicenses 1.11—2.2
São Lucas 19.1-10





A Morte e a Comunhão dos Santos

A Preparação para a Morte

A morte é a chave de nossa atitude para com a vida. Quem tem medo da morte tem também medo da vida. É impossível não ter medo da vida com toda a sua complexidade e perigos, se temos também medo da morte. Isto significa que resolver o problema da morte não é um luxo.. Temendo a morte, jamais estaremos preparados para enfrentar os riscos últimos; desperdiçaremos nossa vida de forma cuidadosa e tímida. Somente se podemos encarar a morte, dela fazer sentido, determinar o seu lugar e o nosso, um em relação ao outro, é que seremos capazes de viver de forma destemida, na plenitude de nossa capacidade. Muitas vezes, esperamos até o final da vida para então encarar a morte, enquanto que teríamos vivido muito diferentemente se somente a tivéssemos encarado desde o começo.
Na maior parte do tempo nos portamos como se estivéssemos escrevendo o rascunho para uma vida que viveremos mais tarde. Vivemos, não de forma definitiva, mas provisoriamente, como se nos preparássemos para o dia quando então realmente começaremos a viver. Somos como pessoas que escrevem um rascunho bruto com a intenção de copiá-lo melhor, mais tarde. A versão final jamais chega a ser feita. A morte chega antes que tenhamos tempo ou desejo para efetivar uma formulação mais definitiva.
A advertência– lembrem da morte – não é um chamado a que vivamos oprimidos pelo terror, pela lembrança constante de que a morte naturalmente virá. Antes, significa – lembrem o fato de que, aquilo que estão dizendo agora, fazendo agora, escutando agora, sofrendo ou recebendo agora, bem pode ser o último evento ou experiência de sua vida presente -. Neste caso, deve mostrar-se como coroação e não derrota; cume, e não abismo. Se, pelo menos, compreendêssemos, ao encontrar alguém, que este pode ser o último momento, seja da sua vida ou da sua própria, seríamos certamente muito mais intensos, muito mais atentos às palavras que falamos e às coisas que fazemos.
Somente a consciência da morte dará à vida esta urgência e profundidade, trazendo vida à vida, fazendo-a tão intensa que sua totalidade se resume ao momento presente. A vida toda é, a cada momento, um último ato.”
Metropolita Anthony de Sourozh


Festival de Todos os Santos

Homem algum pense que, só por estarem as almas benditas fora do alcance da vista, e que estando nós aqui, lutando neste vale de lágrimas, tenhamos perdido a comunhão mútua uns com os outros. Não; ainda há, e sempre haverá, uma correspondência infalível entre o céu e a terra. A felicidade atual destes cidadãos celestiais não abateu seu conhecimento e caridade, e deve mesmo ter neles suscitado uma experiência muito mais alta de ambas as virtudes. Eles, geralmente, têm bem diante de si as tristes condições de nós todos, pobres peregrinos aqui embaixo. Para nós, pobres viajores, ainda lutando contra tantas dificuldades, não podemos esquecer a nossa metade muito melhor, a que já está no gozo da glória, glória pela qual nós, ainda militantes, tanto lutamos e aspiramos; nossas cabeças e ombros estão acima d’água... mas o restante do corpo ainda caminha sob as águas do rio.

Joseph Hall, Bispo de Norwich – 1574-1656

28 outubro 2007

Trindade XXI

Leituras do Domingo

Eclesiástico 35.12-14, 16-19
Salmo 84.1-6
II Timóteo 4.6-8,16-18
São Lucas 18.9-14


Amor Compreensivo

Quantos de nós, em uma primeira leitura, paramos para imaginar por que o fariseu sente a necessidade de rezar desta forma? Pode, por vezes, ser mais fácil simplesmente julgar as ações dos outros do ponderar sobre as razões que suscitam tais ações. Agir amorosamente em relação aos outros exige que olhemos para além do óbvio. O que seria mesmo que compelia o fariseu a se comparar favoravelmente em relação ao coletor de impostos, diante de Deus? Uma resposta mais gentil a esta parábola seria a de se tentar entender as necessidades e feridas subjacentes, tanto do fariseu quanto do coletor de impostos.
É só quando olhamos para os outros por um olhar de amor que se segue a verdadeira humildade. O amor e a humildade são irmãos essenciais. Do amor próprio e da aceitação surge a capacidade de deixar de lado tanto a auto-promoção quanto a falsa humildade. O amor pelos outros nos permite construir relacionamentos baseados em aceitação mais que espírito crítico ou comparação. É este amor que nos permite caminhar ao lado dos demais. Para alcançar verdadeira humildade, deveríamos colocar o amor de verdade bem no centro das nossas vidas. Se nos centramos sobre o ser humilde, afirmados na humildade, então poderemos, por outro lado, chegar ao afeto absolutamente oposto.


21 outubro 2007

Trindade XX

Leituras do Domingo

Êxodo 17.8-13
Salmo 121
II Timóteo 3.14—4.2
São Lucas 18.1-8


“Quem é capaz de compreender o alcance do que está por ser descoberto numa simples manifestação do Cristo? Deixamos para trás muito mais que o que compreendemos, como pessoas com sede, bebendo de uma queda d’água na montanha.
As facetas de sua palavra são mais numerosas que os rostos daqueles que dela aprendem. Deus adornou sua palavra com muitas belezas para que, quem dela se instrui possa examinar o aspecto que lhe parece ser mais atraente. E Deus ocultou em sua palavra toda sorte de tesouros, de forma que cada um de nós pode ser enriquecido a partir de qualquer aspecto que meditemos. A palavra de Deus é a Árvore da vida que alcança a nós frutos benditos por todos os lados; é como a Rocha que foi tocada no Deserto, e se tornou bebida espiritual para todos, jorrando de todos os lados. – Eles comeram do alimento do Espírito e beberam do chamado do Espírito -.
Quem quer que encontre a Escritura não deve supor que uma única de suas riquezas que tenha percebido, é a única existente; antes, deve entender que ele próprio é somente capaz de descobrir justamente aquela, dentre tantas outras riquezas que aí existem.
Nem, já que a Escritura o enriqueceu, pode o leitor empobrecê-la. Pelo contrário, se o leitor é incapaz de descobrir ainda mais... seja ele pelo menos capaz de reconhecer a grandeza da palavra. Alegre-se, porque achou satisfação, sem se entristecer por não ter visto tudo. A pessoa sedenta se alegra porque bebeu: não se entristece só porque foi incapaz de beber até a fonte secar. Deixe que a fonte mate sua sede pois sua sede não pode esgotar a fonte!”

Efreu o Sírio, Commentary on the Diatessaron em The Luminous Eye:
The Spiritual World Vision of St. Ephrem

14 outubro 2007

Trindade XIX

Leituras do Domingo

II Reis 5.14-17 (ou Profecia de Jeremias 29.1, 4-7)
Salmo 113 (ou 66.1-12)
II Carta a Timóteo 2.8-15
São Lucas 17.11-19




O Desígnio de Deus

Um nacionalista de mente estreita, agravado por uma compreensão religiosa fundamentalista não teria conseguido escrever tais palavras. - Procurai a paz da cidade, para onde vos deportei... - Profecia de Jeremias 29.1, 4-7
Os olhos de Jeremias estavam abertos para o desígnio de Deus para todas as nações, inclusive a sua. Nação alguma em separado poderia abarcar o poder de Deus, poder que move a história. Com a queda do reino de Judá, Jeremias deve ter sentido o dinamismo deste poder movendo com a história, operando especialmente na Babilônia. Continua assim por mais de dois mil anos. É muito longo o caminho desde a torre Babel e do caminho de Abraão. Por entre rupturas e dispersão, nações e povos são conduzidos a compreender que Deus é maior que qualquer nação, religião ou cultura.
Uma única nação em particular, mesmo a de Israel e Judá não consegue compor uma visão completa daquilo que Deus está fazendo no mundo. Foi só após a entrada da Assíria e Babilônia na arena da história, que um painel mais completo do desígnio de Deus para o mundo começou a aparecer. Da mesma forma, uma única cultura em particular, mesmo a que se chama cristã, não consegue revelar a inteireza dos pensamentos de Deus para o mundo. Enquanto a cultura Hindu ou a de Confúcio não forem consultadas, por exemplo, o Deus dos cristãos permanecerá como um Deus parcial.

Choan-Seng Song, The Compassionate God: An Exercise in the Theology of Transposition


07 outubro 2007

Trindade XVIII

Leituras do Domingo

Profecia de Habacuc 1.2-3; 2.2-4
Salmo 37.3-10
II Carta a Timóteo 1.6-8,13-14
Evangelho de São Lucas 17.5-10


Como Grão de Mostarda

Deus amoroso, confessamos que falhamos,
Não temos sido o que pretendes, nem temos vivido como esperas de nós;

Deveríamos tocar o mundo com bondade, mas temos buscado nossa própria salvação.
Deveríamos cuidar de tua Criação, mas a espoliamos sem lembrar dos que ainda estão por vir.
Deveríamos encontrar as necessidades dos outros, mas nos descobrimos relutantes em partilhar.
Deveríamos levantar e afirmar a verdade, mas permanecemos em silêncio em face do mal.
Deveríamos viver com amor e compaixão, mas nos agarramos aos valores deste mundo.
Deveríamos repartir nossa fé com alegria, mas falta-nos coragem para crer em Ti.

Necessitamos de ti, ó Deus, se é que queremos mesmo tornar-nos o que esperas de nós.
Transforma-nos pelo poder de teu Espírito.
Renova nossa fé a cada dia, tornando-a tão grande quanto um grão de mostarda,
cheia de promessa e possibilidade,
para que vivamos com coragem e propósito
e vejamos os sinais das parábolas que tens para nós
no mundo de hoje.

Francis Brienen, A Restless Hope: Prayer Handbook


30 setembro 2007

Trindade XVII

Leituras do Domingo

Profecia de Amós 6.1, 4-7
Salmo 96.1-6, 14-16
I Carta a Timóteo 6.11-16
Evangelho de São Lucas 16.19-31


Mundos Separados

A parábola do Rico e do Lázaro é de fato perturbadora. Não há qualquer indício de que o Rico persiga ou oprima o Lázaro. O Rico poderia mesmo ser um crente, seguidor do Evangelho da Prosperidade, agradecendo a Deus pelas muitas bênçãos sobre ele derramadas. Talvez tivesse até algum grupo de oração em sua própria casa. O Rico simplesmente nem notava o Lázaro. Sua falha consistiu em percebê-lo só no momento em que passou a sofrer tormentos no Hades. Se achamos que esta é uma punição muito injusta, é melhor ponderar melhor nossa compreensão.
Por que penso que a punição foi injusta? Só porque o Rico não teria feito, deliberadamente, algo errado para com o Lázaro? Aqui discernimos a diferença entre o nosso pensar e o pensamento de Deus. Nós nos percebemos como indivíduos lutando por viver da melhor maneira que nos for possível. O esforço por alcançar tal visão pode nos preocupar de tal forma que simplesmente nem notemos o que acontece com os outros. Um partido político pode prometer a redução de impostos enquanto que a oposição pode prometer elevá-los. Assim, por que não votar pelo partido que nos promete impostos ou juros menores?
O pensamento de Jesus é diferente. Ele pensa não em termos de “eu” , mas de “nós” e “nós”, inclui todos os seres humanos. Que amplitude gloriosa de percepção, e quão ameaçadora é ela para as pessoas cuja segurança depende da habilidade em ignorar o sofrimento dos outros. O abismo entre ricos e pobres se alarga cada vez mais, não absolutamente pela falta de recursos, mas por uma distribuição muito injusta.

Gerard W. Hughes, God of Compassion

NOTA: Legenda para a FOTO: “Visita do Revdo Cônego Stephen Lyon, Partnership Secretary, Londres, aos alunos e Direção do SETEK, 28 de Setembro de 2007”

Festa de São Miguel e Todos os Anjos

Havia uma escada... e os anjos de Deus por ela subiam e desciam.”
Gênesis 28.10-17
Os anjos são muito populares em nossos dias. Pode-se acreditar em anjos – a palavra significa mensageiros – sem se preocupar em crer nAquele que os envia. Nossa cultura pinta para si mesma imagens de seres espirituais sem procurar por clareza quanto a que espécie de espírito existiria por detrás deles. Nossas imagens de anjos atendem ao anseio por realidades espirituais que possamos ver. A Escritura, a história do Deus que não pode ser visto, nesse sentido não nos ajuda muito.
Os anjos que a Escritura descreve são fugazes e misteriosos como o Deus mesmo de quem são mensageiros. O profeta Isaías diz de forma muito concreta – que os serafins têm seis asas – o que é alguma coisa, imagino. Mas o que me diz mais sobre o que os anjos possam parecer é o fato de que, a primeira coisa que sempre dizem ao encontrar alguém é – Não tenham medo! – Será que eles agiriam assim se fossem parecidos com nossos anjinhos de cartões de Natal? Creio que não.
É bom que celebremos a Festa de São Miguel, o espírito guerreiro, e também Todos os Anjos, num mesmo dia. O que quer que eles pareçam, devem ser, todos, muito santos e muito fortes.

Forward Day by Day

22 setembro 2007

Trindade XVI

Leituras de Domingo

Profecia de Amós 8.4-7
Salmo 138
I Carta a Timóteo 2.1-8
Evangelho de São Lucas 16.1-13



Oração de Compaixão

Em 1938 um homem morreu no Monte Atos. Era um homem simples, um camponês russo que chegou ao Monte Atos quando ainda andava pelos seus vinte anos e aí permaneceu por mais ou menos cinqüenta anos... Por um longo tempo esteve encarregado de supervisão das tarefas braçais do mosteiro. Os trabalhadores do mosteiro eram também jovens camponeses russos que vinham por mais ou menos um ano ou dois, só para reunir algum dinheiro... e então retornar às suas aldeias com algumas libras... para iniciar uma família, construindo uma habitação escavada na rocha e comprar o necessário para o trabalho em suas lavouras.
Um dia, outros monges, que também supervisionavam diferentes trabalhos, disseram – Padre Silouan, como se explica que as pessoas que trabalham sob seus cuidados o fazem tão bem, mesmo que o senhor não os fiscalize? Nós gastamos nosso tempo orientando-os em seus deveres e eles continuadamente tentam nos enganar? O Padre Silouan respondeu – eu não sei. Mas posso contar a vocês o que faço a respeito disso. Quando chego, pela manhã, nunca venho sem antes ter rezado pelos trabalhadores e venho com o coração cheio de compaixão e amor por eles, e ao chegar na área de trabalho, tenho lágrimas na alma de tanto amor por eles. Eu então designo as tarefas para o dia e, enquanto eles trabalham, rezo por eles. É assim que retorno à minha cela e rezo por todos eles, individualmente. Ponho-me diante de Deus e digo – Senhor, lembra do Nicolau. Ele é jovem, somente vinte anos, deixou sua aldeia e também sua esposa, mais jovem ainda que ele, e seu primeiro filho... – E assim – disse ele – passo os meus dias, rezando por todos deles, um após outro e, quando o dia termina, vou e lhes falo algumas poucas palavras, rezamos juntos e então retornam para o descanso. Aí, volto também eu para meu ofício monástico.

Anthony Bloom, School for Prayer


Desprendimento

Os cristãos devem ser claros com respeito aos bens e propriedades. Não devem condená-los, já que são coisas boas. Mas devem ser firmes e radicais com relação ao instinto possessivo que aí existe. Nestas coisas, Cristo pede por nada menos que tudo e rejeita qualquer concessão – certamente porque os fatos em si rejeitam tais concessões. Se não ajo firmemente contra meu instinto possessivo, serei por ele possuído. É ele que me possuirá e guiará. Serei aprisionado numa espiral sem fim de desejo, realização e, brevemente, tanto minha entrega a Deus quanto minha abertura para o próximo estarão aniquiladas. Na verdade, estes dois mandamentos de amor do evangelho pressupõem uma atitude de pobreza e desprendimento em relação ao eu, os quais são incompatíveis com um espírito aquisitivo. Talvez a razão pela qual falhamos tão freqüentemente em amar como devemos não se explique por algum defeito de amor em nós mas porque não temos disposição em dobrar a ganância e assim, inevitavelmente, nos colocamos antes dos outros. Chegando a uma situação mais conclusiva, nós nos agarramos às nossas próprias necessidades e deixamos o próximo em segundo lugar. Isto é verdade tanto para famílias quanto para indivíduos.
A entrega a Deus em adoração e ao próximo, em disponibilidade, implica em abrir mão, que é justo o oposto do espírito aquisitivo. Precisamos ser muito honestos conosco mesmos sobre nosso instinto possessivo. A menos que o arranquemos pela raiz, ele tomará conta e abafará todos os sentimentos bons em nossos corações, deixando só a preocupação egoísta. Jesus realmente falou sério ao dizer: Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro.

John Dalrymple, Costing No Less Than Everything

16 setembro 2007

Trindade XV

Leituras de Domingo

Êxodo 32.1, 7-14
Salmo 51.1-11
I Timóteo 1.12-17
São Lucas 15.1-32


Fazendo os Milagres de Deus

Creio que muitas vezes olhamos simploriamente para Deus, no sentido de que Ele corrija toda a nossa fraqueza e restaure as conseqüências de nosso erro. Entendo que este tipo de oração reflete a vontade de Deus e também nossa súplica para que nos seja dada esta mesma forma de vontade. Mas não podemos esquecer que Deus considera o seu povo ao realizar milagres e vive uma vida que nos conduz na direção dos padrões que Ele mesmo propõe. Pensando em todas as faltas que existem hoje no mundo, bem sabemos que elas não podem ser colocadas na conta de Deus. Elas pertencem, de fato, à conta dos humanos que povoam esta terra, e também aos líderes do mundo que deveriam se conduzir e liderar rumo a direções muito melhores e diferentes.
Deus é Deus e é sempiterno. Não creio na santidade da vida de parte de indivíduos, pela simples razão de que a realidade nos faz ver a fome, o empobrecimento e a doença reafirmando que não existe santidade para tantas pessoas, embora sejam todas iguais aos olhos de Deus. Minha convicção firme é que as pessoas mais favorecidas, mais benditas ou mais afortunadas, seja pelo lugar onde vivem, ou pelas circunstâncias de seu viver... é que deveriam fazer muito mais pelas desigualdades e pelos injustiçados... até que tudo isso desaparecesse. Esta sim, é a vontade de Deus.

John Hermon, A Prayer in the Life


Ó Deus, criador e preservador de toda a humanidade;
Abençoa a todas as nações,
reconcilia os que estão em conflito,
cura a fome e a opressão,
alcança alegria aos que estão tristes,
paz e esperança para todos;
Por Jesus Cristo, nosso Senhor.
The Alternative Prayer Book




09 setembro 2007

Trindade XIV

Leituras do Domingo

Sabedoria de Salomão 9.1318
Salmo 1
Carta a Filemom 9-10, 12-17
Evangelho de São Lucas 14.25-33


Que espécie de Igreja?

Uma igreja fundada em misericórdia imerecida e sem restrições, bem pode ser uma igreja que não nos agrade; mas este foi o único tipo de Igreja que nos foi dado. Ela pode falhar em garantir nossas conquistas ou em proteger nossas vulnerabilidades; mas é a única Igreja capaz de oferecer espaço para uma nova vida, para nossas percepções rejeitadas ou para o amor inesperado do qual nosso futuro comum dependerá. Acima de tudo, é a espécie de Igreja que deveria existir se Deus realmente ama mais ao indesejado que aquilo que as estruturas humanas de poder costumam recompensar, a única espécie de Igreja que distribui a vida que vem da Cruz.
Este é o pertencimento que temos em Deus. Os momentos em que o experimentamos, e nos descobrimos amparados neste amor, são tempos também quando vemos que há mais a desejar, mais que o que podemos expressar. É um pertencimento mantido em aberto ao universo cujo esplendor ainda está por ser revelado. Espera-se que reconheçamos que o que desejamos e experimentamos, possa também acontecer nas vidas de outras irmãs e irmãos, por caminhos cheios de surpresa e distúrbios... mas que nós, no entanto, podemos saudar como promessas cumpridas.
Bispo Peter Selby, BeLonging: Challenge to a Tribal Church


Além de nós mesmos

A adoração é a primeira e a maior das respostas da vida ao seu ambiente espiritual; o primeiro e o mais fundamental dos movimentos do Espírito, semente de onde toda oração deve brotar. Ela está dentre as forças educativas mais poderosas que purificam a compreensão, formam e desenvolvem a vida espiritual. Assim como jamais podemos conhecer o segredo da grande arte ou música, não sem olhar e escutar com reverência desprendida, reconhecendo uma beleza que está além de nosso alcance – assim, a afirmação e o encanto permanecem incompreendidos até que tenhamos aprendido a olhar, a escutar e adorar. Somente então progredimos além de nós mesmos e de nossa pobre visão, derramando-nos naquilo que não conhecemos, sendo libertados de nossa própria limitação e pequenez ... para a vida universal.
Evelyn Underhill, The Golden Sequence

02 setembro 2007

Trindade XIII

Leituras do Domingo

Livro de Eclesiástico3.17-20, 28-29
Salmo 81.1, 10-16
Carta aos Hebreus 12.18-19, 22-24
São Lucas 14. 1, 7-14



Ouvindo com o Coração

A escuta responsiva é a forma que a Bíblia dá à nossa busca religiosa básica enquanto seres humanos. Trata-se da busca pela vida humana plena, por felicidade. É a procura por sentido, já que nossa felicidade não depende da sorte; ela depende da paz do coração. Mesmo em meio ao que costumamos chamar de má sorte, em meio à dor e sofrimento, podemos encontrar paz no coração, se conseguirmos ver o sentido que está em tudo. A tradição bíblica mostra o caminho ao proclamar que Deus nos fala até mesmo nas circunstâncias mais adversas. Escutando atentamente a mensagem de um dado momento seremos capazes de acolher a Fonte do Sentido e assim, compreender o sentido da vida.
Escutar desta forma significa escutar com o coração, com o ser inteiro. O coração permanece como o centro de nosso ser, aí onde estamos realmente “juntos”. Juntos conosco mesmos, não compartimentados em intelecto, vontade, emoções, corpo e mente. Juntos também com outras criaturas, pois o coração é o “espaço” onde, paradoxalmente, não só sou mais intimamente eu mesmo, mas estou mais profundamente unido com todos. Juntos com Deus, fonte da vida, a vida de minha vida, amparando o coração. Para escutar com o coração precisamos sempre novamente retornar ao coração, através de um processo de recolhimento, trazendo à ele todo o possível. Escutando com o coração descobrimos o sentido. Assim como os olhos percebem a luz e os ouvidos escutam o som, assim o coração é o órgão para o sentido.
David Steindl-Rast, A Listening Heart: The Art of Contemplative


Filhos de Deus

O Evangelho cristão declara que as pessoas são de inestimável valor porque são filhas de Deus, centro da preocupação de Seu amor, criadas com uma destinação eterna; não só as pessoas em geral, mas os indivíduos, homens, mulheres e crianças, cada um com seu nome, todos absolutamente sem preço. Tudo isto Jesus aclarou perfeitamente ao dizer para os discípulos – ... até os cabelos de vossas cabeças estão contados: esta é uma imagem extravagante, feita para ser levada para casa... Quando tomamos Suas palavras seriamente, começamos a compreender o alcance da significação. Se forem verdadeiras, se é mesmo assim que as coisas são, se é verdade que Deus cuida mesmo de cada pessoa individualmente, dentre os bilhões que habitam o mundo, para não falar das incontáveis gerações do passado e das que ainda nem nasceram, não podemos descartar quem quer que seja como não tendo importância; nem estamos autorizados a supor que alguns são mais importantes que outros, ou que alguém deve ser sacrificado para servir aos interesses que “ganhem” precedência sobre a dignidade que nos é inerente. As conseqüências de se aceitar esta pressuposição básica são alarmantes, colocando em questão não só a forma como agimos nas relações com nossos irmãos humanos, mas também para a política internacional, militar, econômica e social que têm sido e ainda são consideradas como razoáveis por aqueles que por elas são responsáveis.
Paul Rowntree Clifford, Government by the People?

25 agosto 2007

Trindade XII - 26 de Agosto de 2007

Esperança e Desespero

Esperança e desespero não são opostos. São recortes da mesma veste, feitos da mesma matéria-prima, formatados pelas mesmíssimas circunstâncias. Acima de tudo, toda vida é forçada a escolher um ou outro, cada dia, circunstância após circunstância. A única diferença entre os dois é que o desespero cria uma atitude mental; a esperança cria uma qualidade da alma. o desespero pinta a forma como vemos as coisas, nos faz suspeitosos do futuro, nos torna negativos quanto ao presente. A esperança, por outro lado, toma a vida em seus próprios termos, sabe que o que quer que aconteça Deus está vivo aí, e espera que, quaisquer que sejam as reviravoltas, acrescentará seu bem àqueles que também vivem bem.
Quando a tragédia acontece, quando o drama surge, quando a vida nos desaponta, ficamos em encruzilhadas entre a esperança e o desespero, doídos e feridos. O desespero nos cimenta no presente; a esperança nos manda dançar mesmo pelos cantos escuros, confiando em um amanhã que não podemos ver. O desespero diz que não há lugar onde possamos ir, além deste que temos aqui. A esperança afirma que Deus está à nossa espera, aguardando por nós um pouco mais adiante. Comece de novo.
Joan D. Chittister, O.S.B. - The Psalms: Meditations for Every Day of the Year.


Profecia de Isaías 66.18-21
Salmo 46
Carta aos Hebreus 12.5-7, 11-13
Evangelho de São Lucas 13.22-30


Por onde quer que me conduzas

Deus, toma-me pela mão e eu Te seguirei devotamente, sem resistir demais. Não evitarei a qualquer das tempestades que a vida tenha de reserva para mim. Tentarei encará-las, todas, o melhor que me for possível. Mas agora, e mais tarde também, dá-me um pouco da Tua ajuda. Jamais vou pressupor, em minha ingenuidade, que alguma paz, em meu caminho, seja eterna. Aceitarei todo tumulto e conflito inevitáveis. Eu me alegro com o conforto e a segurança, mas não me rebelarei se precisar sofrer frio, se assim for de Teu decreto. Eu Te seguirei por onde quer que me leves, e tentarei não ter medo algum.
Etty Hillesum, Etty: A Diary 1941-1943

18 agosto 2007

Trindade XI - 19 de Agosto de 2007

Semana Acadêmica do SETEK - 2007 -
Convidado Especial, o Liturgista, Revd. Dr Juan Oliver


Confraternização dos participantes na Semana Acadêmica - 2007


Estudantes, clérigos e visitantes participando da Semana Acadêmica. Ao centro, o visitante e convidado principal, Revd. Dr Juan Oliver, do Seminário Geral em Nova Iorque. Suas aulas tiveram como tema a Liturgia da Igreja. Na manhã de quinta-feira ele e D. Orlando Santos de Oliveira apresentaram um painel sobre o mesmo tema.


A Santa Eucaristia como evento central diário da Semana Acadêmica


Homilia por aluno reperesentante da Diocese de São Paulo


Ofício Diário de Vésperas


Reunião do Conselho Administrativo do SETEK:
Direção e Representantes das Dioceses de Pelotas, Santa Maria, Curitiba e Porto Alegre



Prof. Ms. Inácio Pinzetta, professor de Hebraico no SETEK.
Palestra: Os Níveis do Conhecimento


Leituras do Domingo

Profecia de Jeremias 38.4-6, 8-10
Salmo 80.1-2, 8-19
Carta aos Hebreus 12.1-4
Evangelho de São Lucas 12.49-53

O Sofrimento de Deus

A rejeição e pecado, em atitude e ações específicas, causaram nossa separação em relação a Deus: o amor de Deus nos alcançou mesmo através da rejeição que dEle nos distanciaria. Mesmo assim o relacionamento não foi quebrado. Em Sua procura por nós, Seu amor experimenta com plenitude, sob forma que nem conseguimos imaginar, a rejeição e rebeldia do pecador, o desmantelamento do tecido de Seu universo de amor. Embora Deus prometa apagar nosso pecado, Ele não "esquece", no sentido usual do termo. A onisciência conhece o que aconteceu, e sempre saberá... mas Ele ama o pecador arrependido como se nada tivesse acontecido, ama plenamente, abertamente e graciosamente. O conhecimento do pecado, da negação e da recusa, nEle permanece completamente, justo ao lado do amor. Este é o sofrimento de Deus.
Dorin Barter, Grace Abounding: Wrestling with Sin and Guilt

11 agosto 2007

Trindade X - 12 de Agosto de 2007

Livro de Sabedoria 18.1-9
Salmo 50.1-8, 22-23
Carta aos Hebreus 11.1-3, 8-16
Evangelho de São Lucas 12.32-40

Escutando

A parte mais decisiva e difícil da oração é de se adquirir a habilidade de escutar. Escutar não é uma atitude passiva, um espaço onde não temos que fazer ou falar coisa alguma. A inatividade e o silêncio superficial não significam necessariamente que estejamos em posição de escuta. A escuta é consciente, uma ação voluntária, ela exige alerta e vigilância, de forma que nossa atenção inteira esteja centrada e controlada. Escutar é, neste sentido, algo difícil. Mas é decisivo porque é o começo da nossa entrada em um relacionamento pessoal e único com Deus, pelo qual escutamos o chamamento às próprias responsabilidades, aquelas para as quais Deus nos tem chamado. Escutar é o aspecto do silêncio pelo qual recebemos a comissão de Deus.
Madre Mary Clare, S. L. G. Encountering the Depths





Tornar Sagrado

O que é - sacrifício -? Sacrificar, literalmente significa - tornar algo sagrado -; é tomar algo do uso comum e oferecê-lo a Deus. É um ato simbólico através do qual reconhecemos que tudo neste mundo deriva de uma outra ordem de ser e busca entrar em comunhão com este outro mundo. A coisa visível que é oferecida jamais pode ser mais que um sinal do ofertório interior; o que desejamos oferecer é a nós mesmos. O sacrifício essencial deve acontecer no centro de nosso próprio ser, na escuro do interior onde somente nós mesmos podemos encontrar o Deus oculto na profundidade da alma. Precisamos ir além de todas as imagens dos sentidos, além de todos os conceitos da mente, além de nós mesmos, se é mesmo que desejamos encontrar Deus.
Bede Griffiths, O.S.B., The Golden String

05 agosto 2007

Trindade IX- 5 de Agosto de 2007

Eclesiastes 1.2; 2.21-23
Salmo 107.1-9, 43
Carta aos Colossenses 3.1-5, 9-11
Evangelho de São Lucas 12.13-21

Felicidade Bem Simples

Comunidades que vivem em simplicidade e sem desperdícios, que não usam televisão o tempo todo, ajudam pessoas a descobrir um modo completamente novo de viver, com poucos recursos financeiros mas com maior compromisso com relacionamentos e com celebração. Existiria maneira melhor para vencer o abismo que se amplia diariamente entre países ricos e países pobres? Não se trata só de uma questão de pessoas generosas que se dedicam a servir em países em desenvolvimento. Os países ricos mesmos devem acordar para o fato de que a felicidade não pode ser encontrada na busca gananciosa por bens materiais, mas em relações simples e afetuosas, vividas e celebradas em comunidades que renunciaram de tal procura.
Jean Vanier, Community and Growth





O Amor a Tudo Redime

Nada temas. Jamais tenha medo. E não te preocupes. Enquanto persistires sinceramente penitente, Deus te perdoará em tudo. Não há pecado, e não pode haver pecado no mundo todo, que Deus não perdoe àqueles que estão verdadeiramente arrependidos. Por que, poderia alguém cometer pecado tão imenso, capaz de exaurir o amor infinito de Deus? Ou existe um pecado que exceda ao amor de Deus? Mas não te esqueças, continuadamente, do arrependimento e, ao mesmo tempo, de afastar o medo. Creia que Deus te ama de tal forma que nem mesmo consegues imaginar. Ele te ama a despeito de teu pecado e em teu pecado.. Há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende que por dez justos. Isto foi dito há muito tempo. Assim, vai e não tenhas medo. Não te deixes desconcertar por pessoas e não te perturbes se tu mesmo erraste... Se te arrependeres pelo que fizeste, então ama. Pois, se amas, és de Deus... Tudo pode ser expiado e salvo pelo amor. Se eu, pecador como tu, me senti comovido por tua história, e me entristeço por ti, muito mais o amor de Deus... O amor é um tesouro tão sem preço que, por ele, podes a tudo redimir neste mundo, e reconciliar... não só teu pecado mas também os pecados dos outros. Vai e não tenhas medo.
Fyodor Dostoyevsky, The Brothers Karamazov, vol I

29 julho 2007

Trindade VIII - 29 de Julho de 2007

Profecia de Oséias 1.2-10
Salmo 85
Carta aos Colossenses 2.6-15 (16-19)
Evangelho de São Lucas 11.1-13

Ser perdoado

Um dos maiores desafios da vida espiritual consiste na acolhida ao perdão de Deus. Há algo em nós, seres humanos, que nos mantém agarrados aos nossos pecados e não permite que Deus apague nosso passado, além de nos oferecer um começo completamente novo. Por vezes, parece até que quero provar para Deus que minha escuridão é profunda demais para ser vencida. Embora Deus queira me restaurar à dignidade plena de filiação, continuo insistindo em permanecer como servo sob contrato. Será mesmo que desejo ser restaurado à responsabilidade plena de filho? Desejo mesmo ser totalmente perdoado de forma que um caminho absolutamente novo se torne possível? Confio mesmo em mim e em uma possibilidade tão radical? Quero mesmo romper com minha rebeldia profundamente enraizada contra Deus... e entregar-me tão absolutamente ao amor de Deus para que uma nova pessoa possa emergir? Receber perdão exige total disponibilidade para permitir que Deus seja Deus e faça Ele mesmo a cura toda, restaurando e renovando. Enquanto eu mesmo desejar ou insistir ser parte da cura, terei só soluções parciais, permanecendo como empregado, por exemplo. Como servo ou empregado remunerado, posso ainda manter minha distância, revoltar-me, rejeitar, embirrar, fugir, ou reclamar do pagamento. Como filho querido, devo pedir por minha dignidade plena, começando a preparar-me para ser, eu próprio, pai.
Henri J. M. Nouwen,
The Return of the Prodigal Son,
A Story of Homecoming,

London, 1994


Rembrant,
O Filho Pródigo

Crescendo

Se as crianças são aceitas em sua condição mesma, devemos perguntar-nos sobre o que nos previne, como adultos, de sermos adultos. Não somente pais, mas adultos em geral, adultos em sua organização social e suas escolhas políticas, todos devemos discernir o que significa sermos responsáveis pela nutrição e encaminhamento... na direção da sociedade humana, de novos sujeitos ainda em processo de formação. Um livro recente, de um teólogo católico-romano, meditando sobre o quadro de Rembrandt, O retorno do Filho Pródigo, conclui com uma reflexão sobre nossa dificuldade no papel de pais, comparado com a fácil identificação, seja com o filho mais velho, seja com o mais moço: - Não desejo só ser aquele que é perdoado, mas também aquele que perdoa; não só aquele que é bem vindo à casa, mas também aquele que recebe? - (Henri J. M. Nouwen, The Return of the Prodigal Son: A Story of Homecoming, London, 1994)

Uma sociedade que empurra à dependência e aos padrões frustrados de comportamento, não capacitará adultos e se sentirem - em casa - com seus limites e suas escolhas, de forma a tornar possível acolher ou nutrir aos que ainda permanecem dependentes, ou que estão ainda em busca de sua própria liberdade. Como é então, que somos nós encorajados... a compreender a natureza da escolha adulta em nosso próprio ambiente?
Rowan Williams,
Lost Icons: Reflections on Cultural Bereavement
.

22 julho 2007

Trindade VII - 22 de Julho de 2007

Gênesis 18.1-10
Salmo 52
Colossenses 1.15-28
São Lucas 10.38-42

O Louvor de Marta

Bendita és tu, Marta, a quem o amor deu a confiança para falar.
Pelo fruto, a boca de Eva permaneceu fechada enquanto se escondia dentre as árvores.
Bendita é tua boca que se expressou forte, e com amor,
na mesa sobre a qual o Senhor estava reclinado.
Tu és maior que Sara que serviu aos servos, pois serviste ao próprio Senhor de todos.
Efrem (373), dos Hymns on Virginity and
on the Symbols of the Lord



A Pomba do Santo Espírito
Inspirada por Mosaicos da Igreja Primitiva, Roma, 1860


Contemplação e Ação

Conforme seus princípios dualistas, a teologia medieval muitas vezes estabeleceu uma ordem que, correspondendo à da vida espiritual e mundana - ou teoria e prática, valorizava mais a vida contemplativa que a
vita activa (a vida de ação). Mas era precisamente esta sobrevalorização da contemplação sobre o agir que grandes místicos como Eckhart e Teresa de Ávila criticaram e avançaram.

O texto relativo à esta visão, em termos do pensamento cristão, aparece na interpetação do relato do Novo Testamento sobre as duas irmãs, Marta e Maria... Uma atuou como hospedeira e a outra ouviu o ensino. Desde Santo Agostinho, a atenção quieta às palavras de Jesus e os cuidados incessantes das necessidades diárias do corpo foram interpretados como imagens da vita contemplativa e da vita activa. A primeira foi considerada como de maior valor, mais espiritual e mais essencial, enquanto que a outra, embora necessária, era de uma ordem inferior. Nesta tradição, Marta é tida como útil mas, de alguma forma, limitada, enquanto sua irmã é vista como espiritual, refinada e mais santa...

Meister Eckhart suscitou uma forte objeção contra isto.... Ele situa a ainda incompleta Maria bem no começo da vida espiritual enquanto que a Marta ativa já está bem adiante. - Marta temia que sua irmã permanecesse sem progresso... nos sentimentos de bem estar e doçura. É assim que este conselheiro espiritual reverte completamente o sentido bíblico do texto, o qual configura para Maria - a melhor parte - e, identificando-se a si próprio com a Marta ativista, diz - O Cristo falou e disse, - Fica em paz Marta, pois ela também escolheu a melhor parte. Isto (a inércia de Maria) vai ter fim... e ela será também bendita, como tu!-

Esta reversão não é só sobre a reabilitação de Marta e o comportamento ativo mas também sobre a abolição da divisão dos seres humanos entre ativistas e sonhadores, ativistas e introvertidos, e também a diferenciação entre a produtividade da ação e a receptividade da piedade. Ao não separar a ação de Marta da devoção contemplativa de Maria mas, antes, concebendo Maria
em Marta, Eckhart afasta a falsa supervalorização e a escolha compulsiva entre as duas formas de vida, a espiritual e a mundana. Na perspectiva do misticismo, esta hierarquia é insustentável. A verdadeira contemplação dá origem a ações justas; teoria e prática permanecem em conexão indissolúvel.
Dorothee Soelle,
The Silent Cry, Misticism and Resistence, 2001