30 dezembro 2007

Natividade de N. Sr. Jesus Cristo I

Leituras

Profecia de Isaías 61.10-62.3
Salmo 147.13-21
Carta de São Paulo aos Gálatas 3.23-25;4.4-7
Evangelho de São João 1.1-18


“O Verbo, Filho de Deus, juntamente com o Pai e o Espírito Santo, está essencial e presencialmente escondido no íntimo ser da alma. Para achá-lo, deve, portanto, sair de todas as coisas segundo a inclinação e a vontade e entrar em sumo recolhimento dentro de si mesma, considerando todas as coisas como se não existissem.
[S. João da Cruz. In: ‘Programa de vida’. “A Justiça é o Amor.” Cidade Nova editora, pg. 130.]

O período litúrgico do Natal e dos domingos subseqüentes, é um tempo propício para a reflexão da doutrina cristã da “Encarnação”. Os textos para a Grande Celebração da Natividade de N. Sr. Jesus Cristo e do 1º. Domingo após o Natal são os mesmos, exceto por algumas adições. A perícope do Salmo para este domingo, que faz parte da coleção dos salmos aleluiáticos, tem como centro da mensagem o v. 15 que diz: ‘O Senhor envia seu mandamento à terra, sua palavra percorre o mundo velozmente.’ (LOC). O termo “palavra” utilizado pelo salmista deriva da palavra hebraica dabar, que também pode ser traduzida por ‘acontecimento’. Já o termo grego utilizado no Evangelho de São João, é logos que pode ser traduzido por palavra, ou como as traduções mais clássicas que optaram por ‘verbo’ e que é entendido como o princípio organizador do universo. S. João introduz no hino cristológico do Prólogo do Evangelho (v. 9) que a palavra (verbo) de Yhwh era a Luz, descrevendo o caráter vitorioso da luz sobre as trevas. A oposição Luz-trevas também é encontrada no livro do Gênesis, onde existe um grande paralelismo literário com o Evangelho em que a Palavra se torna acontecimento. Deus cria o universo através dela! Em Gênesis o autor inicia com a palavra bereshit e no Evangelho com arché. Ambas procuram o cerne ontológico da existência, o núcleo de irradiação de toda a vida. Com a criação da luz se dissipam as trevas e abre caminho para a existência. Jesus Cristo é apresentado como Luz pré-existente por S. João, e por isso no argumento com os discípulos de S. João Batista, fica claro a idéia do Cristo pré-existente, àquele que já existia antes de João Batista e que verdadeiramente é Luz, idéia que será retomada no hino cristológico na Carta de São Paulo aos Filipenses. A nova Luz que é Cristo, rompe com a alienação vencendo a finitude e os conflitos existenciais da humanidade. Nesse princípio nossa existência é a participação no Novo Ser (regeneração), a aceitação do Novo Ser (Justificação) e a transformação pelo Novo Ser (santificação).
A ação do Logos devia concluir-se, aperfeiçoar-se na “carne”. Entretanto a presença do Logos no mundo não é vista, não é reconhecida. Deus cumpre suas promessas em Cristo. Quem o vê, vê também o Pai. O termo “carne” é utilizado em seu sentido integral, o ser humano todo. A metáfora utilizada por S. João subentende a idéia da “Tenda no deserto”, em que Deus habitava com o seu povo, reunindo-se com ele, caminhando com ele. O Verbo “habitou” (shekinah-eskenósen) também encontra seu paralelo em Filipenses com a palavra “esvaziou” (kenosis). Em Jesus habitava a Glória de Deus, entretanto como compreender a manifestação da Glória através da humildade da carne? O esvaziamento de si mesmo feito por Jesus é o grande mistério da Encarnação. O nascimento do Verbo é um mistério da doutrina da encarnação. Aqui não estamos no campo da Ginecologia, mas da Pneumatologia cristã, no que diz respeito à “partenogênese”. Através do Novo Testamento, compreendemos que Deus agora habita em nós, que somos pedras vivas do Templo espiritual que tem em Cristo sua Pedra fundamental. O auto-esvaziamento é a pista para o encontro com o Verbo, com a Luz que habita naqueles que o receberam.
O v. 19 do Salmo nos diz: “O Senhor proclamou sua palavra a Jacó”, como uma alusão dos benefícios da Lei (Torah) ao povo de Israel. São Paulo nos diz que após a chegada da “fé” (Cristo) estamos dispensados do “pedagogo” (Lei). Jesus é a plenitude da Palavra de Deus, superando assim toda a Lei, Ele comunica a Luz a todos e nos torna filhos de Deus e por essa adoção somos chamados por S. Paulo “herdeiros” da graça e verdade reveladas em Cristo. A coleta deste domingo nos diz sobre a nova luz e roga que essa nova luz brilhe em nossas vidas. Esse anseio exigirá o deslocamento de nossa própria inclinação e vontade, como S. João da Cruz nos ensina. O verbo está escondido no “íntimo da alma”, ou seja, ele “habita” no mistério de nós mesmos. Nos livros sapienciais, a palavra Verbo também é traduzida por Sabedoria, e nessa compreensão é a unidade que fundamenta todas as coisas, em contraposição a concepção atomista. Novamente aqui encontramos outro paralelo com Gênesis, em que o Espírito (ruach) pairava (rachaph), que pode ser traduzido por vibrar, excitar, mover. Isso quer dizer que todas as coisas estão firmadas por Deus “nele” e são preservadas por meio de sua presença nelas na existência e na vida contra a ameaça do caos. Todas as coisas “esperam” por ele. S. João no v.4 diz: O que foi feito nele é a vida (zoe). Cristo nos deu a vida e agora também somos chamados para resplandecer a Luz de Cristo ao mundo e partilhar da Vida em comunhão com toda a Criação.


23 dezembro 2007

Advento IV

Leituras


Profecia de Isaías 7.10-17
Salmo 24.1-7
Carta de São Paulo aos Romanos 1.1-7
Evangelho de São Mateus 1.18-25




Os textos do 4º. Domingo do Advento nos trazem alguns elementos fundamentais da cristologia e suas mensagens são de especial importância na espiritualidade que envolve toda a quadra litúrgica. O texto da Profecia de Isaías é base para a compreensão messiânica neotestamentária, para as confissões de fé do período sub-apostólico, comumentemente chamados de ‘credos’ e o embrião do mistério da encarnação. O filho anunciado no oráculo profético, chamado Emanuel ­na tensão de toda a situação política enfrentada pelo Rei Acaz, soa também como em muitos outros textos: “Eu estou contigo”. Para o rei Acaz, certamente a presença de Deus em meio à situação de conflito bélico eminente significava ‘proteção’, este é o sinal que Yahweh dá ao Povo de Deus. ‘Ele se alimentará de coalhada e mel’ (v. 15), é uma boa referência de que o filho da promessa no oráculo, bem ou mal, se alimentará daquilo que for possível. É importante não confundirmos a referência com expressões comuns ao pentateuco como leite e mel, que são sinais de fartura, abundância e prosperidade. Aqui em Isaías, a realidade é diferente. O Emanuel terá o necessário para sua sobrevivência. Entretanto, a promessa de salvação está garantida antes mesmo que o menino chegue à idade da razão.
O Salmo é um belo exemplo da Teologia régia, afirmando a soberania de Yahweh, estando em suas mãos os fundamentos da terra e o seu governo. O refrão do salmo pergunta: Quem é este rei da glória? Yahweh é o rei da glória! (Senhor dos Exércitos), referência também na liturgia cristã, presente no Sanctus – Senhor Deus dos exércitos (ou celestes hostes) – no LOC Deus do Universo. Toda a criação espera por seu rei: ‘os céus e a terra estão plenas da tua glória’, e ‘bendito o que vem em nome do Senhor’. É do Rei da Glória, o Emanuel que brota a esperança do Povo de Deus, da instalação do seu Reinado e Governo.
São Mateus retoma a promessa profética na aparição angélica em sonho à José. E insere um novo nome à criança, seu nome será Jesus, que é apresentado como o Emanuel da promessa profética. O mistério da encarnação desenvolve nas entrelinhas todo o esforço de Deus para redimir a humanidade, tomando para si a nossa natureza. Jesus é o ‘novo Adão’, o primeiro da nova criação, da nova humanidade.
Na coleta deste domingo, somos orientados à purificação de nossas consciências para a habitação de Jesus Cristo. Nossa consciência é a porta de entrada da esperança cristológica. Foi ao ouvir, e entender conscientemente que Maria acolheu o mistério da encarnação de Jesus. A consciência é o útero da esperança para a nova criação, para a novidade, de uma nova humanidade. É através de sua pureza que somos ‘moradas’ de Jesus. Certamente a imagem metafórica da pobre manjedoura pode ser aplicada aqui. Nossas consciências não são mais que isso. Mas que em sua humildade em aceitar a Cristo, mesmo sem muita compreensão do mistério salvífico de Deus, pode perfumar o mundo com o suave incenso da pureza à qual a coleta nos convoca. Assim, preparemos nossas vidas, ‘abrindo os portais’ de nossos sentidos e razão, para que Cristo habite em nós e em nós faça sua morada. Ele é o Emanuel e sua promessa de que sempre estará conosco é real.

16 dezembro 2007

Advento III

Leituras

Profecia de Isaías 35.1-6, 10
Salmo 146.1-9
Carta de São Tiago 5.7-10
Evangelho de São Mateus 11.2-11



As leituras têm um sentido muito vívido da vinda de Deus, ou da vinda do Messias, como algo profundamente transformador. A Escritura é incansável em sua convicção de que nada do que é opressivo, torto ou de morte... permaneça como está. O poder de Deus e a paixão de Deus convergem para criar uma novidade absolutamente possível. As promessas da possibilidade messiânica trabalham contra nossa exaustão, nosso desespero e nosso senso de sujeição aos fatalismos.
A novidade é realmente possível. A comunidade espera por novidade; e tem razões para assim fazê-lo, mas somente porque se recorda da novidade dada no passado. O salmo para hoje provê um sumário inclusivo dos milagres trabalhados por Deus no passado, no sentido de fazer com que a vida nova seja mesmo possível.
Com este legado de memória e antecipação, somos capazes de discernir o Senhor Jesus de outra forma. É na vida e ministério de Jesus que estas grandes expectativas de Israel tomam corpo concretamente. Jesus é lembrado e celebrado como Aquele que permite que a vida humana recomece.
O oráculo profético, o salmo e o santo evangelho, todos se movem na direção do que há de factível na leitura da Epístola. A insistência da Epístola é a de que permitamos a convicção da possibilidade de uma nova humanidade... como algo que penetre ou permeie a vida toda, de tal forma que a perspectiva dos fiéis seja transbordante, diante do sofrimento aparentemente permanente. A comunidade dos fiéis crê, por caminhos cósmicos e íntimos, que a vontade de Deus pelo bem estar do mundo realmente prevalecerá sobre tudo o que é torto e patológico. A Igreja, no Advento, recorda desta novidade acontecendo em Jesus e se prepara para a afirmação de que Deus trabalha justamente agora para apresentar o mundo ao bem estar poderoso de Deus.
Ao abraçar esta esperança, os cristãos se distinguem tanto do desesperado, que não crê que alguma coisa possa mudar, e do auto-suficiente que acredita em si mesmo, trabalhando pela novidade. Nossa vida, confrontada com estas duas tentações, se volta para a realidade de Deus, o Deus verdadeiro que discernimos em nosso presente e ao qual confiamos nosso futuro.

09 dezembro 2007

II Domingo do Advento

Leituras

Profecia de Isaías 11.1-10
Salmo 72.1-8
Carta aos Romanos 15.4-9
Evangelho de São Mateus 3.1-12


“A comunidade da fé espera por um longo tempo. A substância desta esperança, tão profundamente enraizada no Antigo Testamento, é persistente e resistente. Ambos, tanto o oráculo profético e o salmo atestam que Israel espera por justiça, paz e bem estar.. A comunidade bíblica conhece a intenção de Deus sobre estas coisas e confia em sua promessa fiel. É assim que o Advento começa com a visão de uma alternativa de cura para a humanidade.
A Igreja do Novo Testamento permanece em conexão bem próxima com o Antigo Testamento. Cristãos esperam com judeus e esperam ambos pela mesma coisa, o bem estar do mundo curado, bendito e amparado por Deus. As leituras do Novo Testamento reafirmam e intensificam as esperanças além de fazer das promessas de Deus um prospecto imediato.. A intensidade e o tempo presente da fé do Novo Testamento anda em torno da presença de Jesus, sendo Ele mesmo quem inicia um novo começo no mundo.Os crentes percebem o mundo diferentemente e se posicionam diante dos novos dons de Deus.
Os textos do Advento, de promessa e expectativa, nos convocam, violando nossa racionalidade e pondo em risco nossos padrões de segurança. No Advento a Igreja vigia para poder perceber onde Deus está criando justiça, paz e bem estar. Onde e quando isto acontece, as promessas de Deus estão em movimento... em direção da novidade. Cabe a nós perceber e receber tudo isto com ânsia e alegria.”

James D. Newsome e outros, A Lectionary Commentary...

“As leituras para o Advento caracterizam a esperança como algo visível, público, partilhado e ansiado. O que Deus prometeu e o que Deus nos dará é uma mudança profunda e estrutural nas relações sociais, finalmente submetidas ao propósito de Deus e sua vontade. É por esta razão que as raízes do Antigo Testamento da esperança do Advento são esboçadas numa imagem de realeza. O rei traz justiça aos fracos... o novo rei torna possível um novo mundo. Mas o novo mundo não é só uma expressão piedosa da esperança que chegaremos a fruir automaticamente ou por osmose. A novidade é uma realidade intrusiva que rompe com tudo o que é velho e destrutivo. Isto impõe uma decisão tanto desafiadora quanto custosa. É custosa porque somos beneficiários de padrões de vida antigos e de morte. O Evangelho nos convida e adverte de que devemos tomar decisões concretas no sentido de reordenar nossa vida de forma apropriada à nova intenção de Deus.
São Paulo, como pastor, pratica a exigência mais concreta e imediata. A nova conduta consiste na prática imediata na Igreja do caminho em que fortes e fracos, os de posse e os pobres, se relacionam uns com os outros em uma nova fidelidade. O Advento suscita a necessidade de colocarmos nossa vida diária em sintonia com o governo de Deus. São a energia e o poder de Deus, (o vento de Deus), que nos podem autorizar e capacitar a receber o novo rei e alegrar-nos em sua obediência, servindo ao próximo. Com este fortalecimento nos sentimos encantados pelo fato de que a criação inteira pode recomeçar, curada, restaurada e perdoada. A novidade das novas de Deus é que se trata de fato de boas novas. Podemos abraçá-las e agir a partir delas.”

James D. Newsome e outros, A Lectionary Commentary...

02 dezembro 2007

I Domingo do Advento

Leituras

Profecia de Isaías 2.1-5
Salmo 122
Carta aos Romanos 13.11-14
Santo Evangelho de São Mateus 24.37-44



O Messias: Jesus no Evangelho de São Mateus

“Todos os quatro Evangelhos têm fortes vínculos com o Antigo Testamento. Temas e textos das escrituras hebraicas lançam luz sobre a mensagem do Novo Testamento e ajudam a evidenciar sua significação. Dos quatro, São Mateus é o que torna esta conexão mais evidente. O Antigo Testamento era sua Bíblia e muitos dos seus primeiros leitores deviam estar também familiarizados com esta proximidade. Em seu Evangelho, São Mateus mostrou alguns dos fios ligando o passado ao presente, conectando a herança e a escritura de Israel às boas novas de Jesus.
Os autores dos Evangelhos eram pastores, escrevendo para ajudar as pessoas a crescerem na vida cristã. As formas como contavam a história de Jesus eram formatadas por sua experiência pessoal, pela proximidade com o povo e com as comunidades nas quais viviam. O Evangelho de São Mateus se apresenta bem judeu em seu estilo e em sua constante atenção ao Antigo Testamento. Ele certamente escreveu tendo em mente o povo judeu.
Esta a origem de São Mateus e ele descobriu em Jesus a realização da antiga fé de seu povo. Ele acreditava que Jesus era o Messias prometido e desejava que seus leitores cressem também como ele. Deus não apagara a herança anunciada mas a fazia chegar a um feliz momento novo. O Messias viera. Havia novas razões para confiar e surgia também um sentido novo na velha estória.
Lendo o Evangelho se percebe as formas como São Mateus escreve sobre Jesus. Sempre de novo se ouve ecos do Antigo Testamento ressoando com as notas da estória do Evangelho. Como o Advento hoje inicia, é bom olhar, na fé, bem para trás... para os propósitos de Deus ao longo dos anos. O tempo é seu território.
De qualquer forma, a maior parte dos cristãos que lêem o Evangelho em nossos dias não é de judeus. Assim, não iniciamos como muitos dos leitores de São Mateus começaram: Eles conheciam o Antigo Testamento e precisavam de ajuda para percebê-lo cumprido no Evangelho. Nós já conhecemos o Evangelho, mas por vezes esquecemos de onde ele nos vem. O Evangelho de São Mateus é uma grande lembrança de que a fé da Igreja vem de Israel. Nossa fé é judaica em suas raízes e está hoje por toda parte difundida. O Evangelho de São Mateus nos recorda destas raízes e nos ajuda a escutar a melodia do Evangelho no ritmo da fé do Antigo Testamento. Na música toda da Escritura Sagrada, ouvimos a voz de Deus. Jesus é o Messias, o eixo mesmo da Escritura, a esperança do Antigo Testamento, a batida cardíaca do Novo.”


John Proctor, The New Day Light, BRF