25 maio 2011



Carta-síntese do Congresso Teológico

de Passo Fundo

Nós, estudantes e docentes dos Institutos de Teologia do Rio Grande do Sul (Fapas, ITP, Setek, IMT, Estef, Fateo, Unilasalle, EST e Itepa), reunidos, de 9 a 12 de maio de 2011, em Passo Fundo/RS, no Congresso Teológico, refletimos o tema O fazer eclesial e as estruturas de ação evangelizadora no contexto urbano.

Analisando o contexto atual, dentre outras, foram destacadas as seguintes constatações:

- vive-se um período marcado por grandes mudanças em todos os níveis, atingindo, ao mesmo tempo, todos os segmentos e o mundo todo; passamos de um mundo pequeno e fechado a um universo com possibilidades infinitas; é um mundo pós-metafísico, que se caracteriza pela globalização, pela mundialização, pela planetarização;

- em decorrência disto, há um forte sentimento de que uma civilização está morrendo, rompendo com o passado das instituições tradicionais, devido ao abandono das fidelidades ao Estado, à religião, à família, à educação; neste contexto, mais importantes que as instituições, são consideradas as experiências individuais; a transmissão dos valores das gerações adultas aos mais novos vem encontrando, cada vez, mais dificuldades;

- no processo de urbanização mundial, o ano 2007 se configurou num marco histórico, atingindo, pela primeira vez, o índice de 50,01% da população vivendo em cidades; rompeu-se, também numericamente, com um parâmetro rural de milhões de anos; a dicotomia campo-cidade deu lugar ao predomínio da cultura urbana que atinge até mesmo as zonas rurais com seu estilo de vida; a cidade aparece como lugar agregador da pluralidade de fenômenos, provocando, ao mesmo tempo, a substituição ou mesmo a perda dos referenciais estabelecidos;

- experimenta-se uma nova concepção de tempo, marcado pela transitoriedade e a predominância do presente; no mundo urbano o tempo é crônico, reduzido e condensado no presente, rompendo qualquer vínculo com o passado, entendido como ultrapassado, e impedindo projeções de futuro, pois estas, quem as realiza é a mercadoria;

- a Mídia passa a ser um sujeito social de destaque, substituindo atores historicamente determinantes da vida social, como o Estado e as Igrejas; por estar nas mãos do capital e ser organizada em grandes redes, produz padronização comportamental no vestir, no comer, no beber, na forma de se relacionar, gerando relações líquidas, fragmentadas e virtuais, ressaltando o estético em vista do mercado, em detrimento do ético; a mídia ainda funciona como usina do imaginário que condiciona a vida social e individual;

- a razão científica, a racionalidade capitalista e o socialismo real não conseguiram solucionar os graves problemas da humanidade, como as grandes desigualdades, a exclusão, a violência, a incapacidade de aceitar o diferente; por isso, o contexto é de crise das utopias e das formas de organização da sociedade;

- a espiritualidade, como busca do sentido da vida, é marca singular do ser humano; ela tem a ver com o cuidado, em todas as suas dimensões; nesta linha de compreensão, cresce a consciência do reconhecimento dos próprios limites, da importância da outra pessoa e do cuidado com a natureza;

- as Igrejas históricas estão encontrando dificuldades em responder a estes desafios de mudança de época e de urbanização; na ânsia de desenvolver uma ação evangelizadora eficaz, criaram-se estruturas eclesiais que, hoje, precisam ser reavaliadas, pois comumente ainda são utilizadas a partir do paradigma rural, como a paróquia, que se mostra cada dia mais anacrônica como estrutura evangelizadora e como experiência eclesial criadora de novas possibilidades de vida pessoal e comunitária.

Ao refletir sobre as questões eclesiais, sentimos que o nosso fazer teológico, para responder aos desafios do contexto urbano em mudança de época, através de uma evangelização profética e libertadora, precisa considerar os seguintes aspectos:

- ser Igrejas que amem a cidade, com toda a sua complexidade, pois fazemos parte dela e é nosso campo maior de missão; nosso desafio é conhecer, entender e atender a cidade em direção a uma pastoral transformadora e libertadora;

- repensar as estruturas, principalmente as paroquiais, para que estejam a serviço da cidade, superando o seu anacronismo, que não responde mais às necessidades pastorais; trata-se de ousadia para criar novos meios que ajudem no serviço de inclusão de “Abel”, como os conselhos, que pensem, planejem e dinamizem a cidade, e ministérios que ajudem a viabilizar a evangelização inserida no contexto urbano em permanente transformação;

- retomar – sob o horizonte cristão da simbologia trinitária – a experiência paulina da Igreja das Casas, como espiritualidade da qual decorre o sentimento de pertença à Igreja, um espaço para partilhar e refletir as angústias, as dúvidas, os sofrimentos, os sonhos, as esperanças, as alegrias e as práticas de solidariedade da qual emana o comprometimento profético com a construção de uma cidade humana, acolhedora, samaritana, fraterna, solidária e justa, sinal de contradição ao antirreino e de encantamento no seguimento a Jesus;

- desenvolver processos formativos amplos, interdisciplinares, permanentes que auxiliem na valorização da história de cada cidade e na qualificação das lideranças eclesiais e comunitárias, para dialogar com a nova cultura urbana emergente, com as ciências, com os novos sujeitos, repensando os conteúdos e os enfoques do fazer teológico, contemplando diferentes hermenêuticas, que possibilitem a compreensão da cidade como espaço escatológico em vista da nova Jerusalém. Esses processos formativos são urgentes para todas as lideranças eclesiais e para as comunidades cristãs que se dispõem a participar de forma mais engajada na evangelização das cidades;

- incentivar o reavivamento missionário das Igrejas que, nascidas “das divinas missões do Filho e do Espírito desde o Pai”, são, por sua própria natureza, missionárias e chamadas a viver em estado permanente de missão e enviadas para dar testemunho de Jesus, que tem como centro de sua vida e missão o Reino de Deus;

- repensar a paróquia para que desenvolva o espírito missionário, tornando-a urbana, investindo na vida comunitária, dando espaço aos carismas e ministérios, equilibrando diversidade e unidade dos serviços eclesiais, fortalecendo a iniciação cristã por meio de uma nova hermenêutica bíblica e teológica, tornando a catequese uma experiência nova e significativa, qualificando as celebrações, dando transparência às finanças e consistência aos conselhos pastorais em processo permanente de planejamento e avaliação, priorizando a mística, o carisma, a ética, superando o clericalismo e desenvolvendo processos participativos; uma Igreja formada por discípulos e discípulas, como nos primeiros séculos, conforme a máxima: “não se nasce cristão, cristão a gente se torna” e, no nosso caso, desde a ótica latino-americana;

- recuperar a primazia das pessoas como ponto de partida do fazer eclesial, possibilitando viver a experiência pessoal e interpessoal: “As pessoas não podem ser reduzidas a função e a pura representação. Antes de ocuparem um lugar e de terem uma função, elas são alguém, um rosto outro, único, em relação ao qual eu também me defino, como outro, único” (Almeida, p. 241).

Dessa forma, propomos que nossos Seminários/Institutos/Escolas/Faculdades de Teologia se apropriem desta proposta, aprofundem a reflexão em seus contextos, ressignifiquem conceitos e práticas e ensaiem formas criativas de fazer teologia na cidade.

Passo Fundo, 12 de maio de 2011.








20 maio 2011

O apóstolo Paulo e seus textos





1.1 O testemunho de Jesus a partir das cartas de Paulo e dos Evangelhos

Quando o cânon (seleção de textos) do Novo Testamento (ou Segundo Testamento) foi concluído, no contexto do que chamamos de “imperialização” do Cristianismo, lá pelo século IV da Era Cristã (EC)[1], a ordem estabelecida foi: os quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João)[2]; Atos dos Apóstolos (que é o segundo volume da obra do autor do Evangelho segundo Lucas); um conjunto de Cartas atribuídas ao apóstolo Paulo (corpus paulino); uma série de outras cartas chamadas “Pastorais” (atribuídas a outros apóstolos e presbíteros da Igreja, mas que não estão dirigidas a nenhuma comunidade especificamente) e o corpus joanino (que pode ser, pelo menos em parte, considerado continuação do Evangelho segundo João, incluindo o livro de Apocalipse).No entanto, esta ordem não é histórica e sim teológica!
O processo histórico das origens do cristianismo ficou mais claro a partir do século XVIII quando surgem “biblistas” que, aparelhados dos métodos científicos, começam a redescobrir os textos do Segundo Testamento em outra perspectiva. Eles descobrem que as evidências literárias e históricas indicam que Marcos seria mais antigo dos Evangelhos e que Mateus e Lucas teriam usado ele como “a primeira das suas principais fontes”[3].
Mas esta não foi a descoberta mais surpreendente deste período. A pesquisa levou à conclusão de que as Cartas do Apóstolo Paulo (isto é, as verdadeiramente escritas por ele) seriam anteriores a todos os Evangelhos! A cronologia relativa (isto é, aquela montada a partir das evidências dadas pelos próprios textos)[4] indica que o Evangelho segundo Marcos teria sido escrito (sistematizado a partir da memória apostólica e alguns pequenos trechos já escritos) entre os anos 64 e 70 EC (tomando como marcos históricos indiretos a perseguição promovida por Nero em Roma, entre 64 e 68, que parece estar sendo refletida no texto, e a queda de Jerusalém e a destruição do Templo pelo Império Romano, como segunda referência que parece não ser refletida no texto)[5]. Paulo, por outro lado, teria morrido, segundo a grande maioria das reconstruções históricas feitas na modernidade, não antes de 60 e não depois de 68 EC[6]. Desta forma, toda a literatura originária do Apóstolo Paulo deve ser datada antes dos Evangelhos. Mas, qual seria a relação entre elas? As pessoas que compilaram e organizaram os Evangelhos teriam se baseado na teologia de Paulo? As evidências indicam que o primeiro Evangelho, isto é, o de Marcos, é independente da literatura paulina. Seja porque as cartas de Paulo ainda não tinham ganhado suficiente notoriedade entre as comunidades cristãs, seja porque a urgência, no contexto da perseguição e da morte dos apóstolos, permitiu apenas uma rápida compilação dos testemunhos apostólicos.
Neste sentido Andre Benoit, citando Oscar Cullman, aponta que a linha de transmissão das tradições do “Evangelho” (como testemunho de Cristo para a humanidade) de Paulo é paralela a outra linha de transmissão que viria do testemunho direto dos discípulos e discípulas do Jesus Histórico (cf. 1 Coríntios 11:23)[7]. Poderemos inferir disso que as cartas de Paulo e os Evangelhos referiram-se ao mesmo Jesus com finalidades diferenciadas. Esta suspeita fica ainda mais evidente quando olhamos para o Evangelho segundo Lucas. Este Evangelho é o primeiro volume de uma obra que se completa com o livro de Atos dos Apóstolos (como já tínhamos mencionado). Acontece que em Atos a personagem principal é justamente Paulo dedicando-lhe (quase que com exclusividade) 14 dos 28 capítulos da obra (do capítulo 15 ao 28). Portanto, Lucas poderia facilmente ter sido influenciado por Paulo, e possivelmente o foi indiretamente, no sentido de mostrar, como veremos mais adiante, o sentido inclusivo do Evangelho. No entanto, Lucas se manteve, na primeira parte da sua obra (o Evangelho) dentro do estilo próprio deste tipo de literatura. Na introdução do Evangelho, Lucas nos dá uma importante informação: “de fato muitos tentaram compor a narrativa do que entre nós aconteceu, assim como transmitiram para nós os que, desde o princípio, foram ministros da Palavra” (Lucas 1:1-2). De fato Lucas fala do acesso à segunda linha de transmissão, àquela que se deriva diretamente dos portadores do testemunho do Jesus Histórico. Claro que, na seleção e interpretação dos textos, mostra um olhar inclusivamente paulino do Evangelho. No caso de Mateus e João vemos teologias claramente independentes. Mateus que se baseia fortemente em Marcos consegue colocar uma perspectiva própria e diferente (mesmo quando viveram praticamente no mesmo contexto histórico se diferenciando mais pela origem das suas comunidades). João, então, refletindo o ambiente do fim do primeiro século, usa as tradições dos três primeiros, e outras tradições próprias, como trampolim para ir mais longe e mais fundo nos sentido da pessoa e do ministério de Jesus.
Por isso, para reconhecer Jesus nas tradições originárias do cristianismo precisamos acessar as duas linhas de transmissão: a primeira a ser sistematizada por escrito, com forte apelo missionário (representada por Paulo) e a segunda a ser sistematizada (como forte apelo didático e testemunhal) representada pelos Evangelhos. O que surpreende é como estas tradições se encontram na pessoa de Jesus Cristo e o que nos revelam em termos de abertura e inclusão das pessoas excluídas dos sistemas políticos, econômicos, sociais e religiosos do primeiro século do cristianismo.


2. De Saulo (o perseguidor) a Paulo (o apóstolo)

O apóstolo Paulo começa sua história como um inimigo da Igreja de Cristo. Não encontramos nenhum outro caso semelhante em que um notório perseguidor se torne um apóstolo. Como é que isso foi possível? Paulo não é um dos 12 e não conheceu o Senhor Jesus pessoalmente durante seu ministério, como os outros apóstolos com quem conviveu especialmente Pedro. No entanto, tornou-se o maior de todos os missionários da Igreja em todos os tempos. Ele não contava para isso com nenhum texto do Novo Testamento, os quatro Evangelhos foram escritos depois da sua morte, e torna-se, além do maior missionário, o maior escritor de textos (cartas) elaborando uma teologia própria que marcou fortemente o desenvolvimento posterior do cristianismo. Há quem atribua a este apóstolo a origem da fé “cristã” como separada e diferente do judaísmo. Mas, por que esta tarefa não foi feita por algum dos 12? Eles não teriam mais “material” para escrever? E, inda podemos perguntar: será o cristianismo de Paulo corresponde à proposta de Jesus, ou ele recriou um Cristo diferente e compatível com as expectativas da cultura greco-romana?
No livro intitulado “De Jesus a Paulo”, Joseph Klausner (professor da Universidade Hebraica de Jerusalém), começa citando Julius Wellhausen, que afirmou: “Jesus não era um cristão, ele era um judeu”. Segundo o autor não se trata de uma frase leviana, mas foi fruto de décadas de pesquisa[8]. Nunca foi intenção de Jesus formar “uma nova religião e proclamá-la fora da nação judaica”[9].
Nas recomendações para a missão dos 12 no Evangelho segundo Mateus: “não tomeis o caminho dos pagãos e não entreis numa cidade de samaritanos” (Mateus 10:5), no princípio levantado no debate com a mulher siro-fenícia (Mateus 15:24; omitido em Marcos 7:24 em diante); no fato das primeiras comunidades continuarem a freqüentar assiduamente o Templo de Jerusalém (Atos 2:46); da fé receber como primeiro nome “O Caminho” (Atos 9:2 e 19:23) e finalmente as profundas controvérsias causadas pela dispensa da circuncisão e outras obrigações da lei judaica para os convertidos originários de outras nações (Atos 15), podem indicar que Jesus era um messias dos judeus e para os judeus, e, se extensivo a outros povos, seria nada mais do que a continuidade do judaísmo.
Algo semelhante pode se encontrar na estratégia missionária do apóstolo Paulo, indo primeiramente às sinagogas da diáspora e participando de uma cerimônia de conclusão de votos, por recomendação de Tiago e outros cristãos de Jerusalém no Templo, para eliminar os boatos que o colocavam como “inimigo da Lei de Moisés” (segundo Atos 22:23-24). O que parece mostrar-nos nem Jesus, nem Paulo, tinham, em princípio, a intenção de criar uma religião independente (cf. Atos 9:20, entre outros).
Contudo, o afastamento progressivo entre a teologia da “Igreja de Deus” através do Evangelho proclamado por Paulo e o judaísmo é evidente e progressiva (1 Coríntios 10:32). Segundo Joseph Fitzmyer, quando Paulo fala em “meu/nosso evangelho” (Romanos 2:16-25: 1 Tessalonicenses 1:5; 2 Tessalonicenses 2:14 e 2 Coríntios 4:3; conforme 1 Coríntios 15:1) nada indica que esteja anunciando algo exclusivo ou pessoal, muito pelo contrário, “Paulo conhece um único Evangelho (Gl 1:6)” e “para ele Jesus Cristo é o Evangelho”. No entanto, quando Paulo usa o termo “meu evangelho” refere-se, sim, a “uma graça especial da missão que lhe fora confiada”, até a prisão foi para ele uma “graça” (Fl 1:7,16)[10]!
Por outro lado, a rejeição da proposta de Cristo trazida por Paulo e a perseguição promovida ou incentivada por alguns setores dominantes das comunidades judaicas contra o seu ministério apostólico, foi gerando um sentimento de inimizade (2 Coríntios 11:24) e um progressivo e firme afastamento. Tudo indica que a postura inclusiva e inculturada de Paulo é que gera o afastamento, que, por sua vez, gera uma nova teologia que acaba se contrapondo à base doutrinária do judaísmo, isto é, à observância ritual da lei como critério supremo de inclusão na promessa de salvação dada por Deus a Israel e através deste povo para toda a humanidade. Vejamos como este processo se inicia na vida do próprio Paulo.


2.1 As origens de Saulo/Paulo em Tarso da Cilícia, na Ásia Menor.

Saulo foi educado em Tarso, onde nasceu, dentro do molde helenista, em uma família hebraica que seguia os preceitos da lei, como a circuncisão no 8º dia (Atos 21:30; 22:3; 23:6; Filipenses 3:5; 2 Coríntios 11:22;Romanos 11:1). O simples fato de ter nascido em uma grande metrópole com mais de 300.000 habitantes, um dos grandes centros do comércio entre oriente e ocidente do mundo Greco-romano, e o fato dele ser “cidadão romano” por direito familiar (conforme Atos 16:37; 21:39; 22:28), faz pensar que ele era de uma família abastada e que recebeu uma educação helenística (além da judaica na Sinagoga local) compatível com essa condição sócio-econômica (mostrada na citação de Arato e Epimênides na ágora de Atenas, conforme Atos 17:28, ou Meandro – Thaís - em 1 Coríntios 15:33, no uso de termos da filosofia gnóstica como psíquicos e físicos, conforme 1 Coríntios 3:1; entre outros) [11].

2.2 A formação superior de Saulo e sua prática persecutória

É bem provável que a partir do 13 anos (maior-idade judaica), Paulo tenha ido para Jerusalém, ao que tudo indica para a casa da irmã (Atos 23:16), e ingressado em uma das melhores escolas rabínicas da época, sob os cuidados do Rabi Gamaliel[12] (Atos 22:3). Segundo a maior parte dos pesquisadores ele teria estudado ali 10 anos (até aprox. 28 d.C.)[13]. Portanto, quando Jesus desenvolveu seu ministério público e foi finalmente crucificado, ele não estaria em Jerusalém, mas teria voltado para Tarso. No entanto, esta é apenas uma hipótese sem nenhuma base documental.
E se esteve em Jerusalém? Como não conheceu Jesus? Nem todos os fariseus conheceram Jesus, especialmente se ele estava tão devotado aos estudos que ficou fechado dentro da sua escola. E se não estava em Jerusalém, mas em Tarso? Sendo que Gamaliel esteve diretamente envolvido no julgamento de Jesus, de Pedro e seus companheiros, ele não teria recebido do seu mestre alguma informação de primeira mão? (conforme Marcos 15:1 e Atos 5:34-40).
De um jeito ou de outro, Saulo o devoto seguidor do judaísmo farisaico, identificou neste grupo de seguidores e seguidoras de Jesus uma ameaça que não devia ser apenas excluída de Israel (como antes tinham feito com o povo samaritano), mas devia ser definitivamente eliminada por todos os meios, inclusive a execução como no caso de Estevão (Atos 6:1-15 e 7,51- 8,3; Gálatas 1:13-14 e 1 Coríntios 15:9). Não seria esta atitude fruto do conjunto da sua formação elitista e intolerante?
Os muitos textos que nos falam de Paulo e sua teologia, e são verdadeiramente muitos, relevam ou minimizam o passado cruel e repressor deste apóstolo. Alguns estudos falam de tal forma da infância e formação intelectual de Paulo que parece que se preparou mesmo para ser apóstolo, e outros omitem a educação que o tornara um religioso repressor e intolerante[14]. Joseph Fitzmyer afirma: “Paulo, já cristão, se orgulhava do seu passado judeu, da tradição farisaica, educado em Jerusalém (Filipenses 3:5-6; Gálatas 1:14; 2 Coríntios 11:22)”. No entanto, basta ler os textos colocados pelo autor como referência para nos deparar com termos como: “perseguidor da Igreja” (Filipenses 3:6b) ou “perseguia a Igreja de Deus e devastava” (Gálatas 1:13b) ou ainda “insensatos” (2 Coríntios 11:19)[15]. Seria isto orgulhar-se? Orgulhar-se de quê? Há outros que classificam as origens de Paulo como as de um “fariseu da direita”, que “militava abertamente no setor mais extremo do farisaísmo mais estreito e ortodoxo” traído por Estevão, que foi morto por blasfêmia (Atos 22:20)[16].

Enfim, nenhuma pessoa nasce “perseguidora” ou “intolerante”. Poderíamos imaginar que estas características teriam sido exacerbadas pela formação farisaica, mas, o próprio testemunho do Segundo Testamento nos diz que nem todos os fariseus eram intolerantes ou perseguidores, sendo que alguns acreditaram em Jesus (conforme Marcos 12:28-34; João 3:1; Atos 22:12). Outra tendência e achar que a formação grega em si era mais tolerante e aberta, mas também não é isso que pensa o próprio apóstolo ao dizer que o Evangelho que ele professa é escândalo para os judeus e loucura para os gregos (1 Coríntios 1:23). A dificuldade que Paulo enfrenta ao pregar o Evangelho entre nos gentios mostra que não era de fácil aceitação, especialmente pelas elites econômicas e intelectuais do mundo greco-romano (cf. Atos 17:32-34). O Evangelho segundo Lucas fazendo eco ao Evangelho segundo Mateus (11:25-26) constata que as pessoas mais humildes compreendiam com mais facilidade a mensagem de Jesus, quando o próprio Cristo afirma: “Graças te dou, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas dos sábios e prudentes, e as revelastes aos pequeninos” (Lucas 10,21a). Portanto, a educação elitista e fechada, tanto grega quanto judaica, apresentava dificuldades para a compreensão da proposta aberta, dialogal e inclusiva de Jesus. Saulo, o perseguidor, foi uma expressão extrema dessa conjunção, e encontrou ao longo do seu trabalho missionário, outras pessoas que fizeram com ele o que ele antes queria fazer com os “diferentes” (cf. 1 Coríntios 4:9-13).
Paulo chega ao ápice da intolerância quando patrocina a execução do diácono Estevão. Estevão também era de origem farisaica e por isso era considerado um traidor e, portanto, merecedor da morte, assim como uma mulher adúltera (cf. João 8:4-5). Alguns dizem que Paulo teria ficado com “remorso”, mas as evidências mostram o contrário, longe de estar arrependido ele pediu poderes extraordinários para continuar a perseguir os seguidores/as de Cristo além das fronteiras da Judéia (cf. Atos 9:1-2 e Gálatas 1:13-14).

2.3 O ponto de virada entre Saulo e Paulo

Que foi mesmo que aconteceu nessa passagem entre Saulo e Paulo? David J. Bosch em “Missão Transformadora” que aborda a teologia de Paulo como forjada na missão, superando o dualismo teoria e prática, e apresenta três possíveis enfoques para a mudança de rumo na vida do apóstolo:

a. “Alteração (uma forma relativamente limitada de mudança que, na verdade, desenvolve-se a partir do passado da própria pessoa)”
b. “Transformação (uma mudança radical de perspectiva que não exige a rejeição ou negação do passado ou de valores sustentados anteriormente, mas implica, no obstante, uma nova percepção, uma re-cognição do passado – uma ‘mudança de paradigma’, na linguagem de Thomas Kuhn”
c. Conversão (uma mudança semelhante a um pêndulo em que há ruptura entre passado e presente, sendo o passado em termos fortemente negativos)”[17].

Seguindo este entendimento podemos dizer que: se entendemos que Paulo ainda se “orgulhava” do seu passado teria havido apenas uma “alteração” de rumo. Se entendermos, no entanto, que sua teologia é claramente anti-judaica, com a clara intenção de criar uma nova e distinta religião, seria “conversão”. Mas, se acreditarmos que ele encontrou uma nova forma de viver suas próprias convicções, ou um novo olhar, então seria “transformação”, isto é, uma mudança radical de perspectiva, iniciando um processo.

Muitas hipóteses foram levantadas ao longo da história da interpretação bíblica, sobre o que teria acontecido naquela estrada entre Jerusalém e Damasco. Insolação causada por uma exposição exagerada ao sol causando cegueira e alucinação (miragem)? Queda do cabalo ou camelo causando um trauma na cabeça, passando um período desacordado ouvindo (em sonhos) sua consciência que o acusava, na figura de Cristo, como perseguidor? Uma experiência mística e inexplicável, que o fez ver tudo de outra forma, olhando-se a si mesmo desde a perspectiva do que ele perseguia? Ou uma convergência de vários destes fatores? Seja como for, Saulo não foi mais o mesmo. O único relato sobre o acontecido vem pela mão de Lucas, autor de Atos dos Apóstolos, em primeira pessoa:

Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues. E os que estavam comigo viram, em verdade, a luz, e se atemorizaram muito, mas não ouviram a voz daquele que falava comigo. Então disse eu: Senhor, que farei? E o Senhor disse-me: Levanta-te, e vai a Damasco, e ali se te dirá tudo o que te é ordenado fazer. E, como eu não via, por causa do esplendor daquela luz, fui levado pela mão dos que estavam comigo, e cheguei a Damasco. E certo Ananias, homem piedoso conforme a lei, que tinha bom testemunho de todos os judeus que ali moravam, vindo ter comigo, e apresentando-se, disse-me: Saulo, irmão, recobra a vista. E naquela mesma hora o vi (Atos 22:6-13).

Não podemos tomar este relato como feito pelo próprio Paulo (mesmo que seja em primeira pessoa), no entanto, Lucas nos dá uma pista importante se considerarmos o contraste entre “luz” e “cegueira”. Começa com “uma grande luz do céu”, os acompanhantes vem a luz que lhes causa temor, e Saulo fica cego “por causa do esplendor daquela luz”. Sendo assim, o conhecimento de Saulo, tanto o universal (grego) quanto o particular (farisaico) fica cego diante da luz de Cristo. Cristo é uma luz que se alcança de outra forma, mesmo que o conhecimento venha auxiliar, como veremos depois, na comunicação do Evangelho. Paulo recobra a vista quando é amparado pela justiça de Ananias (considerado justo, mesmo que convertido ao cristianismo, entre os judeus). Portanto, a luz e verdadeiro conhecimento de Jesus, ou, dito de outra forma, o novo olhar que deixa cego a Saulo e dá a vista a Paulo, é o convívio solidário, o amor, a acolhida, sem o que qualquer conhecimento, mesmo que religioso fica cego diante de Deus.
O próprio Paulo contará esta transformação de forma um pouco diferente, não apenas como um evento, mas como um processo de transformação que levou alguns anos

Nem tornei a Jerusalém, a ter com os que já antes de mim eram apóstolos, mas parti para a Arábia, e voltei outra vez a Damasco. Depois, passados três anos, fui a Jerusalém para ver a Pedro, e fiquei com ele quinze dias (Gálatas 1:15-16).

E admite ter sido um conhecimento diferente e inexplicável, isto é, profundamente místico:

Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que há catorze anos (se no corpo, não sei, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao terceiro céu. E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar (1 Coríntios 12:1-4).

Este texto é profundamente místico. O interessante é que Paulo, ao falar da humildade que deve ter diante de outras pessoas, pelo que não convém gloriar-se, fala em primeira pessoa. No entanto, ao falar da experiência transformadora ele o faz em terceira pessoa. A descrição é profundamente mística, será que ele não se sentiu mais o mesmo depois disso, havendo antes um “homem” e depois outro “homem”? Bem, isso é bem possível. Paulo, em uma carta que é indiscutivelmente de autoria do apóstolo, discutindo a prática da circuncisão, que considerava às pessoas segundo uma prática ritual externa, afirma: “Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura“ (Gálatas6:15). Em outros textos, alguns dos quais podem ser considerados deutero-paulinos (isto é, derivados de cartas do apóstolo) a ênfase no novo é ainda maior (cf. 2 Coríntios 5:17; Efésios 2:15). Saulo, aquele perseguidor e assassino, aquele religioso intolerante e pedante, que Paulo agora, pela nova visão do Evangelho, olhava com tristeza, tinha sido transformado, feito “nova criatura”.
Desta forma, a transformação pessoal de Paulo, tão profunda ao ponto de ser indescritível, lhe permitiu ver que Saulo não tinha sido a única pessoa prepotente, intolerante e discriminadora. Havia outros precisando ser transformados tanto no judaísmo (do ponto de vista ritual e dogmático) quanto no mundo religioso e cultural greco-romano (fortemente dividido entre “psíquicos” – ricos intelectuais ou filósofos – e “físicos” – pobres, escravos/as, mulheres, trabalhadores/as braçais, etc). Ainda, por trás destas pessoas havia também sistemas a ser transformados! O sistema religioso do povo de Israel, ao qual ele não renuncia, que devia se abrir à novidade de Cristo que incluía todas as pessoas por puro amor (1 Coríntios 13:1-13!). O sistema sócio-econômico e político do Império Romano que devia se abrir a Deus e à nova dignidade que em Cristo igualava todas as pessoas (Gálatas 3:28!). Portanto a virada de Saulo a Paulo é uma virada de perspectiva, de identidade, de projeto, de atitude diante de si, de outras pessoas, do mundo e de Deus.
A inclusividade do Evangelho, em Paulo, não é um discurso, mas um processo que começa dentro dele mesmo e estende a todas as pessoas, a todas as situações e em todos os lugares. Com isso não devemos descartar que Paulo tenha sido condicionado ao seu meio e à sua época, mas podemos ver claramente qual era o novo sentido dado à vida a partir daquela dramática virada de Saulo para Paulo.

2.4 Paulo e “Saulo”: reciclando potencialidades com um novo sentido

Paulo descobriu, em Cristo, uma força transformadora inigualável, capaz de fazer com que ele considera-se seu passado como “lixo” diante do “conhecimento de Cristo Jesus” (Filipenses 3:8), o apóstolo aprendeu, através dos desafios de levar o Evangelho de Cristo ao seu mundo, que sua formação anterior lhe oferecia ferramentas importantes.
Vai usar o seu conhecimento da lei bíblica (que antes interpretava de forma dogmática e intolerante) para mostrar que a salvação não depende da lei. A lei como ponto de partida, isto é, determinar a relação com Deus a partir de um conjunto de normas preconcebidas, não era o caminho da transformação e, portanto, da salvação. Paulo, falando a partir da sua própria experiência, afirma que a lei só serve para saber dos erros cometidos. A lei aponta para o pecado e o pecado para morte (Romanos 3:20 e 7:15). A lei é um sistema que, mesmo tido como recebido de Deus, nas mãos humanas gera uma religiosidade punitiva e excludente. Não foi essa sua experiência como fariseu? Tanto foi que, quando confrontado por outros “especialistas da lei” ele bota mão de suas credenciais antigas e partir dessa “autoridade” como conhecedor da lei questiona suas atitudes:

Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; Segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível. Mas, o que para mim era ganho reputou-o como perda por Cristo (...) não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé (Filipenses 3:5-7,9b).

Vai usar sua cosmopolita greco-romana e também sua origem judaica, para transitar entre todas as pessoas e entre todos os sistemas sociais, políticos, religiosos e culturais. Tudo com o único objetivo de estender o amor inclusivo de Cristo, que ele experimentou (isto é, do qual é participante), para todas as pessoas sem importar sua origem étnica ou cultural:

Fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns, sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele (1 Coríntios 9:20-23).

Este aspecto da vida e missão de Paulo traz para nós a importante convicção pedagógica que não são tanto os conteúdos que determinam o caráter da pessoa educada, nem habilidades ou competências, mas as atitudes! O que re-educou Paulo foi a atitude de Jesus Cristo dentro dele, a atitude solidária de Ananias em Damasco, a atitude receptiva dos apóstolos que, tendo-o conhecido como perseguidor, aceitaram sua transformação e o incluíram, nada menos que como um apóstolo (mesmo que ele se considera-se o último de todos os apóstolos, cf. 1 Coríntios 15:9). Paulo, sabendo disso, aproveitou-se também, conforme conta Lucas, do sistema educativo do mundo greco-romano, na escola de “Tirano” em Éfeso (Atos 19:9). Lucas define o método de Paulo, usado tanto nas sinagogas quanto na escola, como “dialegomai”, que reúne diálogo e debate, comunicação e crítica (cf. Atos 17: 2,17; 18: 4,19; 20: 7,9). O debate dialogal, como confronto aberto de idéias e valores, parece ter sido o caminho que caracterizou a pregação de Paulo. Não se tratava de uma imposição da fé pelo medo (do inferno ou da desgraça), ou pela coerção social ou familiar (fazendo com que grupos ou famílias incomodassem ou excluíssem os que não abraçavam a fé), era um debate aberto, novamente inclusivo, onde todos os pontos de vista podiam ser manifestos no interesse comum da busca do verdadeiro sentido da existência e da transcendência. Portanto, Paulo usa sua bagagem, mas a usa a partir de um novo sentido inclusivo e transformador.

2.5 A prática transformadora a partir da nova perspectiva do Evangelho

O trabalho de Paulo foi planejado. Não foi feito apenas no ímpeto de um religioso romântico, tomado pelo êxtase religioso, mas de uma pessoa transformada e determinada a fazer o mais possível e o melhor possível. É claro que Paulo, assim como todas as primeiras lideranças da Igreja, foi tomado por certa urgência escatológica, isto é, acreditavam que Jesus voltaria logo (durante o tempo de suas vidas terrenas) para estabelecer o seu reinado (cf. Marcos 9:1). Nas primeiras cartas de Paulo, como veremos em detalhe mais adiante, esta idéia de que há pouco tempo e muita gente para salvar, é bem evidente. No entanto, com o passar dos anos a urgência vai sendo equilibrada pela prudência.
Da nova prática de Paulo destacamos:
a. O planejamento prévio, que determinava o rumo que iria se seguir, isso também destacado por Lucas em Atos 15:36 mostra que, em um determinado momento, e buscando levar a boa nova de que a circuncisão tinha deixado de ser obrigatória, Paulo e Bernabé planejam uma segunda viagem para revisitar algumas comunidades, formam uma equipe (incluindo também Marcos e Silas ou Silvano).
b. O re-planejamento acontece a partir de novas circunstâncias, como quando foram expulsos de algumas cidades, devendo ir para outras fora do roteiro, mantendo uma comunicação à distância com aquelas que não podiam visitar. Este tipo de determinação se encontra no final de algumas das suas cartas (1 Tessalonicenses 3:1-3; 1 Coríntios 16:5-6; Gálatas13:1,10).
c. O aproveitamento de oportunidades inesperadas, como a doença que fez com que Paulo ficasse na Galácia (um região rural de características bem diferentes às dos grandes centros urbanos que Paulo escolheu como referências para sua missão, Gálatas 4: 13-14). Lucas relata uma oportunidade de grande valor simbólico em Atenas (capital intelectual e artística do mundo greco-romano) na ágora (onde os cidadãos – homens ilustres e mais ricos – se reuniam), focando a atenção sobre as divindades gregas ali representadas. Nesta ocasião Paulo, coerente à sua prática inclusiva, não renega as divindades gregas, mas encontra um espaço livre para o debate, no monumento ao “deus desconhecido” (Atos 17: 16-17,22-23).
d. Trabalho em equipe, jamais sozinho! A inclusão de Paulo não é apenas para as pessoas destinatárias da mensagem transformadora do Evangelho, ela começa antes, na inclusão de uma diversidade de pessoas que se dispõem a trabalhar juntas no processo de comunicação. Lucas relata que Bernabé foi o primeiro parceiro de Paulo. Bernabé foi quem primeiro falou da transformação de Saulo para os outros apóstolos e foi buscar ele pessoalmente em Tarso (Atos 11:25). Depois se somaram outros como Judas e Silas (Atos 15:22) e assim continuou com Timóteo (Atos 16:1 e 17:14-15) e outros tantos: homens; mulheres como Lídia ou Lígia (Atos 16:40) e casais como Priscila e Áquila (Atos 18:2,18). O mais belo texto neste sentido é o grande agradecimento feito por Paulo a todas as pessoas que colaboraram e o acompanharam em Romanos 16!
e. O respeito pelas lideranças na fé é evidente em Paulo. O fato de ter sido um perseguidor convertido, e, portanto, pudesse se considerar inferior em dignidade aos outros apóstolos, não explica por si só, o respeito que o apóstolo Paulo demonstrou para os que eram considerados líderes da Igreja de Cristo. O que movia Paulo era o sentido de “unidade na diversidade” que ele mesmo criou (1 Coríntios 12:4-6). O Evangelho inclusivo devia aproximar as pessoas, uni-las em Cristo, mesmo que a partir de idéias e práticas diferenciadas. Paulo acreditava que Cristo estava com todos e que todos poderiam se encontrar e se entender em Cristo, e parece que, durante sua vida conseguiu o respeito de todos (cf. Gálatas 2:9-10).

Desta forma Paulo nos mostra que o caráter inclusivo do Evangelho não foi nunca um discurso, mesmo que pela necessidade de comunicá-lo e preservá-lo tenha se tornado um, mas uma nova prática que envolvia todos os aspectos do processo. Paulo não se considerava um grande orador, pelo contrário, chegou a admitir publicamente que seu discurso não se caracterizava pela eloqüência, mas que o convencimento se dava pela inclusão dele em sua fraqueza que, pela cruz de Cristo, se fazia extensiva a todas as outras pessoas (1 Coríntios 2:1-4).

2.6 As conseqüências teológicas e políticas do trabalho missionário do apóstolo Paulo

O Apóstolo Paulo e seus companheiros e companheira de missão realizaram três viagens. Todas elas têm como destino as grandes cidades do Império Romano. Evidentemente o apóstolo Paulo foi um missionário urbano, já no contexto do mundo antigo. A razão disso é a própria origem do apóstolo em Tarso e onde ele se sentia mais a vontade para proclamar o projeto de Deus em Cristo! Esta opção mostra que, até em termos de estratégia missionária, Paulo parte da sua experiência pessoal, do seu meio.
As viagens missionárias, contudo, envolveram grandes desafios em todos os sentidos. Do ponto de vista logístico (onde ficar, com quem devia falar, quanto tempo devia ficar, para onde devia ir), do ponto de vista político (como lidar com os conflitos e oposições manifestas pelos grupos que se sentiram prejudicados pela mensagem do Evangelho), do ponto de vista econômico (como se sustentar na missão) e, não menos, do ponto de vista teológico (como apresentar Cristo em um mundo culturalmente distante e socialmente diverso da experiência originária de Jesus).
A primeira opção de Paulo foram as sinagogas judaicas. Isso prova que nunca teve a intenção de criar uma religião diferente do judaísmo e nem entendeu que a fé em Cristo e seu Evangelho constituíssem uma religião diferente. Lucas enfatiza esta característica no seu relato sobre o ministério do apóstolo Paulo, seus companheiros e companheiras (Atos 13:5; 14:1; 17:1,17; 18:4,19,26; 19:8). E isso, segundo Lucas, não apenas na primeira viagem, mas em todas elas! No entanto, não encontramos esta referência diretamente nas suas cartas, quem sabe por não considerar seriamente a diferenciação entre sinagoga e igreja, ou entre judeu e cristão (cf. Romanos 11:1). Depois, conforme se desdobravam as reações ao Evangelho partia para outras opções, das mais diversas. Vejamos a conseqüências de cada viagem:
a. A primeira viagem é mais curta e vai para sua cidade natal: Tarso (na Cilícia, Ásia Menor). Desta experiência o conflito sobre a inclusão dos não circuncidados, isto é, os convertidos de fora da comunidade judaica. A viagem provoca um grande debate que termina em Jerusalém, onde as lideranças mais importantes da Igreja Cristã são consultadas. No entanto o veredicto é contado de duas formas. Uma por Lucas, que apresenta a liberação da obrigatoriedade da circuncisão, mas ainda coloca algumas restrições ou “tabus” (Atos 15:22-29) – o que seria uma inclusão limitada - e o relato do próprio Paulo que apresenta uma inclusão irrestrita, apenas com uma recomendação que estende a responsabilidade para com os pobres, isto é, passando da inclusão religiosa à inclusão social (Gálatas 2.9-10).
b. A segunda viagem tendo resolvido o problema da inclusão dos não-judeus foi bem mais ousada. Além de visitar algumas comunidades criadas na primeira viagem, consegue formar novas e visitar lugares imprevistos. Como conseqüência Paulo começa a ser identificado como agitador social e político pelas autoridades do Império Romano. Sobre isso temos também o testemunho de Lucas, e dentro dele, destaca-se o conflito em Éfeso envolvendo a religiosidade, a cultura e a política local (cf. Atos 19:23-40) dizendo que Paulo teria sido acusado de “sedição” (em grego stasis, isto é, “tomar o lugar” ou se rebelar contra a ordem estabelecida; cf. Atos 19:40).
c. A terceira viagem se caracterizou principalmente por uma re-visita a muitas comunidades. A grande motivação era fazer uma grande coleta em favor das comunidades empobrecidas de Jerusalém (cf. 1 Cor 16:1-6). Esta coleta mostrava que finalmente toda a Igreja de Cristo, além das divisões por origens, estava finalmente unida. No entanto, quando chega a Jerusalém Paulo, sem querer, provoca um novo conflito. Ele vai ao templo para cumprir os votos que tinha feito segundo a lei judaica. Episódio que reafirma a convicção de não considerar o cristianismo uma religião diferente do judaísmo. Mesmo assim é reconhecido e identificado como um agitador político e religioso, caso que termina com sua prisão e transferência para Roma (At 21.15-26.32).
A VIAGEM SEM VOLTA PARA ROMA como prisioneiro, apresenta a oportunidade de após um naufrágio pregar na ilha de Malta (Atos 28.1-15). Quando chega a Roma chama logo a comunidade judaica local para se defender das acusações e PREGAR O EVANGELHO para eles para outros que vinham se encontrar com ele na prisão (At 28.15-31). Durante este tempo fez novos planos e escreveu algumas cartas importantes chamadas “cartas da prisão”: a carta aos Filipenses (1.1-3.1a ;4.2-7.21-23) onde o apóstolo usa a prisão como ponto de partida da sua reflexão) e a carta a Filemon (tem como particularidade o fato de ser a única carta, indiscutivelmente paulina em sua integralidade que trata de uma pessoa (o escravo Onésimo) e se dirige a uma pessoa (o dono/senhor Filemon) mesmo que possa ser extensiva à comunidade que se reúne em sua casa (Fm 2; cf. 1 Cor 16,19; Rm 16,5).
2. 7 Paulo e seus textos: reflexões sobre um processo teológico, pastoral e missionário.

Há muitas formas de entender, interpretar, ou de contextualizar, os escritos paulinos (e seus desdobramentos deutero ou pseudo paulinos)[18]. Seguindo a sistematização da história da interpretação dos textos de Paulo feita por Herman Ridderbos, encontramos três linhas principais de interpretação do pensamento teológico, pastoral e missionário do apóstolo Paulo:

a. A interpretação liberal (trata-se de “uma moralidade idealista e racionalista” que secundariza os temas místicos, éticos e salvíficos (soteriológicos) – como a doutrina da justificação – vendo na sua pregação “uma objetivação e uma generalização de sua experiência subjetiva e pessoal”)[19].
A interpretação histórico-religiosa (que se concentra nas possíveis influências do universo religioso greco-romano, egípcio e judaico na formulação do pensamento paulino; enfatizando as chamadas religiões de mistério e o gnosticísmo; de onde Paulo teria “copiado” boa parte dos seus conceitos e argumentos) [20].
A interpretação escatológica (nasce em oposição a interpretação histórico-religiosa, sendo que seus defensores propõem que “a doutrina de Paulo se sustenta totalmente na pregação escatológica de Jesus e da proximidade do Reino de Deus” e que para Paulo “o escaton se faz tempo presente na Ressurreição de Cristo” precisando relacionar esta realidade com a “não-consumação” da ressurreição dos mortos e o juízo final, na tensão entre o “já” – da Ressurreição de Cristo - e o “ainda não” – do juízo final; mística que “deve interpretar-se da forma mais realística possível” por se tratar não apenas de uma mística de sentimentos subjetivos, mas de uma mística objetiva e de fatos)[21].

Joseph A. Fitzmyer também adverte que interpretação da produção teológica paulina se dá na tensão entre “a interpretação de passagens isoladas e seu contexto imediato” (tarefa da exegese) e o sentido da “expressão total da mensagem paulina, a qual transcende a situação contextual e inclui ainda um sentido relativo do modo de expressar-se de Paulo” [22]. Com isso o autor quer nos ajudar a evitar a tentação de um Paulo minimalista (apenas pastoral, querendo somente resolver um problema de cada vez, sem grande visão do conjunto) ou de um Paulo maximalista (formulando uma doutrina homogênea com diferenças apenas de aplicação em diferentes realidades e situações).
Enfim, sobram as advertências e faltam as soluções. Para piorar o quadro, podemos listar o que foi feito da produção textual paulina (e deutero-paulina) na história da sua interpretação em termos políticos, éticos e dogmáticos. Neil Elliott apresenta logo nas primeiras páginas, depois de dar alguns nefastos exemplos da aplicação das “doutrinas paulinas”, como as cartas de Paulo foram utilizadas para justificar sistemas de dominação e opressão. No entanto, o autor nos tranqüiliza ao concluir que, para ele, este tipo de uso “reacionário” dos textos paulinos “nem sempre é tão claro e palpável” [23].
Na nossa experiência eclesial podemos concordar com autor no fato de que as manifestações mais fundamentalistas da fé cristã encontram no corpo paulino e deutero-paulino, uma boa base de sustentação para o patriarcalismo nas relações de gênero e de família, a submissão a poderes governamentais de qualquer natureza, a exclusão de pessoas por opção sexual, a submissão de classes (escravos/senhores); etc. Teria sido esta a “solução” paulina dos conflitos dentro das comunidades e com o sistema dominante do Império Romano, ou o resultado teológico do encontro entre Jesus e Paulo? Pois todo depende da leitura que a gente faça das cartas de Paulo.
No bloco anterior mostramos que os eventos relacionados com a vida de Paulo indicam que ele construiu sua teologia a partir da sua experiência pessoal (sim, mas não só!). É mais do que evidente que, passando pela experiência pedagógico-teológica das relações interpessoais, comunitárias, políticas e ideológico-religiosas da ação missionária, e considerando a interlocução com seu ambiente (dialogando com a gnose e as religiões de mistérios em seus próprios termos), o apóstolo foi formulando convicções, como fruto de grandes reflexões, chegando à sistematização de questões doutrinárias fruto de todas essas experiências. Portanto, estamos propondo que tudo o que chegou a nós do apóstolo Paulo seja entendido como um processo teológico-pastoral e comunitário. Nunca entendido a partir de um homem só, com um pensamento só, e com uma experiência única. Se entendido como processo, podemos apreciá-lo como nunca acabado, deixando sua conclusão para os intérpretes que se disponham a arriscar um mergulho radical na fé, na realidade, na história, na mística factual e escatológica, e, muito fortemente, na construção da comunidade cristã local e universal, como Corpo de Cristo.
Para examinar rapidamente as principais cartas de Paulo escolhemos aquelas que não apresentam objeções sobre sua autoria. Depois colocamos estas cartas no processo, isto é, na caminhada missionária do apóstolo; desde as cartas dos primeiros tempos (reflexão sobre a experiência na sua primeira viagem), passando pelas cartas do meio do caminho (reflexão sobre a segunda viagem) e finalmente, as cartas da prisão (dos últimos anos de vida do apóstolo em Roma). Propomos um estudo rápido, o mais profundo possível, na busca deste processo paulino.

2.7.1 As primeiras cartas (emergência da missão diante da iminente consumação do Reinado de Deus)

A crítica concorda que a 1a Carta aos Tessalonicenses é o primeiro escrito paulino e o texto mais antigo do Novo ou Primeiro Testamento. A mesma certeza não se tem sobre a 2a Carta dirigida à comunidade de Tessalônica[24]. Então esta carta serve como ponto de partida para o entendimento da reflexão do apóstolo e da sua produção teológica.
2.7.1.1 Para quem o por que foi escrita a 1a Carta aos Tessalonicenses?

Tessalônica era a capital da Província Romana da Macedônia, e passagem obrigatória na importante rota comercial que ligava Roma ao Oriente[25]. Mesmo que esta carta seja o primeiro escrito paulino ela é feita na segunda viagem de Paulo (cf. Atos 15:39-18:22) entre os anos 49 e 52. Esta segunda viagem incluía uma visita às comunidades criadas na primeira viagem (Derbe, Listra e Icônio; cf. Atos 16:1). Neste ponto do seu trabalho o apóstolo já tinha formado uma equipe missionária com Timóteo, Silas e, possivelmente, Lucas (1 Tessalonicenses 1:1,5-8; 2:1-14; 3:1-6)[26]. Nesta viagem também enfrentaram a perseguição em Filipos (onde tinham formado uma comunidade com Silas ou Silvano) e chegaram bastante abatidos e machucados a Tessalônica (cf. 1 Tessalonicenses 2:1-2 e Atos 17:1)[27]. Esta comunidade era, em sua grande maioria, de origem gentílica (1 Tessalonicenses 1:9; 2:14). Na primeira viagem Paulo teria atuado ali por um curto período, de não mais de três ou quatro semanas, segundo Atos 17:2; e teria recebido para isso o apoio da comunidade de Filipos. Paulo admira a fé dos Tessalonicenses (1:8 em diante) e na segunda viagem fica por mais tempo. Segundo relata Lucas, Paulo e Silas teriam enfrentado mais um conflito gerado pela comunidade judaica (que para Kümmel, inclui também os gnósticos de origem gentílica), obrigando-os a fugir da cidade, o que parece concordar com o desejo de voltar manifesto por Paulo na carta, enviando como representante a Timóteo (Atos 17,5 em diante e 1 Tessalonicenses 3:1-6)[28].
Bortolini ainda nos informa que Tessalônica, do ponto de vista sócio-econômico e político, seguia as características das grandes cidades do mundo greco-romano na Ásia Menor, com uma “elite dominante (politarcas e magistrados) e militares, pelas minorias que detêm e controlam o comércio e os meios de produção (armadores, latifundiários, grandes comerciantes) (....) também uma classe média, formada em sua maioria por funcionários públicos (fiscais e cobradores de taxas...)” e uma maioria de pobres entre os quais “há muitos escravos, carregadores do porto, gente que recebe uma espécie de ‘salário mínimo’(...) não participam das decisões, não têm voz nem vez”[29].
A Carta pode ter sido escrita durante a visita do apóstolo a Corinto (2 Coríntios 2:1) ou na sua estada obrigatória em Atenas, após a perseguição sofrida em Tessalônica[30]. O motivo da carta seriam, segundo explica Kümmel, as “notícias recentes que Timóteo lhe trouxera (...) o que levanta a possibilidade de que Paulo, nos capítulos 4 e 5, esteja respondendo a uma carta da comunidade (4:9,13; 5:1,12)”[31]. Estas circunstâncias dão-lhe o caráter de uma carta emergencial, seguindo o sentido etimológico do termo, pois emerge de uma situação comunitária, pastoral e missionária. Mas que, no entanto, não responde apenas a questões pontuais ou realiza, apenas, uma defesa pessoal; mas, tenta desenhar orientações teológicas para as crises e conflitos dentro da comunidade, e conflitos com o “sistema” político e religioso, isto é, com a ordem estabelecida (mesmo que concordemos que nesta etapa do trabalho missionário de Paulo a preocupação é muito mais o fortalecimento da comunidade do que a relação com as autoridades do Império).
Por uma convicção comum aos primeiros discípulos/as de Jesus Cristo (cf. Marcos 9:1), Paulo apela para uma teologia escatológica, na confiança da iminente volta do Messias, a implantação definitiva do seu Reino e o fim de todas as demais relações sociais e políticas. Como afirma Pixley:

Fala-se muito da ‘parusia’ de Cristo, tomando um termo político usado para marcha triunfal de um general ou político (1 Tessalonicenses 2:19; 3:13, 4:15; 5:23), parusia que salvará os crentes da ‘ira vindoura (1 Tessalonicenses 1:10; 2:16; 5:9). O tema da parusia é descrito em 4:13-18 para consolar os tessalonicenses diante da morte de algum deles, para que não fiquem sem esperança (...) Surpreende a ênfase paulina, aqui, na escatologia da parusia, um tema que posteriormente irá desaparecer ou pelo menos será relativizado.[32].

Com estes elementos, pessoais, histórico-religiosos, políticos e teológicos há condições de desenhar algumas características do processo paulino no começo do seu desenvolvimento; algumas das quais permanecerão, formando o alicerce teológico de Paulo, outras que serão relativizadas.

2.7.1.2 1a Carta aos Tessalonicenses e a 1a Carta aos Coríntios (buscando indicativos comuns).

Outra carta, cuja autoria não é contestada, e que reflete bem os primeiros tempos do apostolado de Paulo, é a 1a Carta aos Cortíntios. Como aspectos comuns, entre ela e a 1a Carta aos Tessalonicenses, encontramos:
a. Ser dirigida para uma comunidade cristã que vive em uma capital, neste caso da Província de Acaia, sendo também sede do Procônsul; e ao mesmo tempo, se tratar de um importante centro comercial na rota entre Oriente e Ocidente[33];
b. Em Corinto havia também uma comunidade formada, em sua maior parte, por gentios e de cultura urbana; onde se dá o confronto freqüente de escolas filosóficas ou de, como chama Comblin, “vendedores de doutrinas”[34];
c. Há tensões entre judaico-cristãos e gentílico-cristãos (1 Coríntios 10:32); mesmo que, segundo Theissen, isso não determine a situação de “fortes” ou “fracos”; mesmo que esta subdivisão pudesse estar por trás da reação das pessoas da comunidade com o consumo de carne sacrificada aos ídolos (1 Coríntios 8:7,10)[35].
d. Há profundas diferenças de classe social, o que, segundo Theissen, explicam a subdivisão entre fortes e fracos (sendo os fortes detentores do “conhecimento filosófico” e do poder econômico – dynatoi, isto é, poderosos[36] – enquanto os fracos viviam na sua simplicidade e do que sobrava dos templos e das mesas dos mais ricos).
e. A carta, em sua maior parte, é uma resposta emergencial aos problemas e divisões internas da comunidade. Comblin define a carta como “um ato de autoridade (...) como a de um pai para com os filhos” [37].
f. A Carta é escrita fora da comunidade, possivelmente em Éfeso (1 Coríntios 16:8); sendo que já tinha visitado uma vez a comunidade e pensava em fazer outra visita (1 Coríntios 4:18 e 16:6) entre 54 e 55[38].
g. Mantêm o argumento escatológico para a relações interpessoais, especialmente no que se refere ao matrimônio (1 Coríntios 7:29-31) e em relação à morte de pessoas na comunidade, como antes fez em Tessalônica (1 Coríntios 15; cf. 1 Tessalonicenses 4:13 até 5:11).
No entanto, os desafios de Corinto acrescentam novas referências teológicas ao processo paulino, entre as que gostaríamos de destacar:
a. A ênfase na eleição dos fracos (isto, antes de estar escrito qualquer Evangelho): 1 Coríntios 1:26-31.
b. A teologia do Corpo, como critério conceitual das relações intra-comunitárias e missionárias (1 Coríntios 12:12-31).
c. A teologia do Amor como valor supremo e escatológico do Evangelho (1 Coríntios 13).

Paulo é um homem de cidade grande! Obviamente a estratégia missionária de Paulo tem na cidade grande seu eixo principal. Quando vemos as primeiras cartas encontramos de novo está característica. Por quê? Todas as linhas de interpretação apresentadas por Ridderbos podem nos ajudar:

a. Do ponto de vista da interpretação pessoal/liberal Paulo parte para o mais conhecido, o ambiente que ele domina melhor. Sua experiência como “cidadão” lhe permite acessar com facilidade as estruturas religiosas do judaísmo (sinagoga) e as sociedades helenísticas de artesãos e comerciantes (como acontece com Priscila e Áquila; cf. Atos 18:2-3 e Romanos 16:3; e com Lídia em Atos 16:14). Neste ambiente ele podia sobreviver trabalhando tanto como artesão quanto como professor (1 Tessalonicenses 2:9 e 1 Coríntios 4:12).
b. Do ponto de vista da interpretação histórico-religiosa nas grandes cidades havia uma diversidade social e cultural que facilitou o diálogo, especialmente quando este diálogo aconteceu fora do ambiente estritamente religioso da sinagoga. Em Éfeso a pregação aconteceu por dois anos a partir de uma escola filosófica (Atos 19:8-10), em Atenas se dirigiu diretamente à assembléia de cidadãos (ágora) e da mesma forma pode ter recebido influências gnósticas.
c. Do ponto de vista escatológico o impacto do Evangelho levado por Paulo para o sistema econômico, social, político e religioso foi muito maior. Paulo fala em lugares com forte jogo de interesses, apresentando o Evangelho como humilhação dos ricos e poderosos e como valorização dos fracos e desprezados. A esperança escatológica é apresentada como esperança última contra um sistema opressor reproduzido em todos os níveis sociais, políticos e econômicos; que não apresentava nenhuma saída para os “sem”. E isso o apóstolo descobre na prática a partir das exigências emergenciais das comunidades e suas contradições, conflitos e desafios.

2.7.1.3 As cartas do meio do caminho: resgatando o sentido do Evangelho

Entre as cartas deste período estão Romanos e Gálatas. No entanto, apresentam duas características diferentes: uma busca solidificar e fortalecer um trabalho missionário iniciado pelo próprio apóstolo contra ameaças internas (Gálatas) e outro se dirige a uma comunidade, não fundada por ele, que vive em no contexto da capital do Império, tanto pelas possíveis influências sócio-políticas e culturais; quanto por ser o centro do sistema opressor do “deus César” (Romanos).
A comunidade da Galácia nasce por acidente e, em parte por isso, é revestida de particularidades. O próprio apóstolo declara isto na carta: “bem o sabeis, foi por ocasião de uma doença que eu vos anunciei pela primeira vez a boa nova” (Gálatas 4:13)[39]. Trata-se de pessoas espalhadas em pequenos núcleos populacionais, como aldeias ou vilarejos, em uma extensa região. Como afirma Kümmel: “a suposição mais prontamente justificável é a de que nesta epístola Paulo se dirige aos gálatas que vivem no interior da Ásia Menor” [40]. Esta dispersão do povo em pequenas comunidades interioranas pode ser o motivo de Paulo endereçar a carta em plural (“as igrejas da Galácia”, Gálatas 1:2) e não para uma igreja como o faz nas outras cartas (1 Coríntios 1:2; 1 Tessalonicenses 1:1)[41]. A região era conhecida pelo comércio de escravos[42] existindo nas comunidades uma variedade de pessoas e de origens. A composição destas comunidades devia ser, mormente, gentílica e pobre. A possibilidade de a carta estar dirigida ao que hoje chamaríamos de pequenas “comunidades eclesiais de base”, formadas por gente simples do povo, pode explicar a fácil acolhida a um estrangeiro doente, e os cuidados que tiveram com ele – “se fosse possível, vocês teriam arrancado os próprios olhos para me dar” (Gálatas 4:15) - não mostrando “nem desdém nem repugnância” (Gálatas 4:14). Também pelo recorrente tema da escravidão e da liberdade presente na carta (Gálatas 2:4; 3:28; 4:9,22-27) e a menção ao cuidado com os pobres como uma exigência de fé (Gálatas 2:10).
Como em todas as cartas de Paulo há diversas teorias, os extremos colocam a carta entre 50 e 80 d.C., escrita pelo próprio apóstolo ou por algum discípulo. No entanto, ficamos com a hipótese que mais se encaixa dentro do processo paulino, colocando a carta entre 54 e 57, quase que na mesma época que as Cartas aos Coríntios e, certamente, antes da Carta aos Romanos[43]. A carta tem várias motivações:
a. Lembrar da origem divina do Evangelho e, portanto, independente dos “interesses” humanos.
b. Defender o Evangelho rapidamente aceito pelas comunidades, que passa a ser ameaçado por novos pregadores que, segundo o apóstolo, “querem transformar o Evangelho de Cristo” em “outro Evangelho (...) diferente daquele” (Gálatas 1:6,7,9).
c. Resgate do sentido profundo do Evangelho – em comunidades onde a escravidão era uma realidade comum – como fonte da “verdadeira liberdade” (Gálatas 5:1,13)[44].

A Carta aos Romanos, data aproximadamente em 56 d.C.[45] e sua interpretação foi condicionada pelo amplo uso teológico que foi feito dela posteriormente. Em alguns momentos foi mais interpretada como um tratado de teologia que como um diálogo com uma comunidade[46]. É claro que essa tendência doutrinária na leitura desta carta tem seu fundamento. Depois de tudo em nenhuma outra carta do apóstolo vemos tanto cuidado na sistematização teológica e no tecido da argumentação sobre a continuidade entre a fé judaica e a fé cristã. Mas, o que teria dado a esta carta estas características tão particulares?
Comblin descreve as características da Igreja e Roma, de seguinte forma:
A comunidade tinha vários anos de existência e teria sido fundada por judeus-cristãos que tinham contatos com Jerusalém.
Ela tinha, até pelas influências de origem, um caráter bastante conservador, especialmente no trato da questão da lei e da inclusão de gentios convertidos ao cristianismo.[47]
A estas observações podemos acrescentar a localização da igreja e a capacidade de comunicação dos seus membros com o resto do Império (Romanos 1:8 e 16:9)[48]. Paulo sabia que seu sucesso como testemunha do Evangelho com a comunidade de Roma poderia alavancar o testemunho do resto da Igreja ou ameaçá-lo seriamente, daí os cuidados expressos em Romanos 13:1.
Um testemunho do iminente perigo ao qual poderia estar exposta esta comunidade vem do texto do escritor romano Suetônio em sua obra “Vida de Cláudio”, onde relata a expulsão dos judeus de Roma por causa das constantes perturbações causadas por eles “instigados por certo Crestos”. É bem provável que este “Crestos” seja mesmo “Cristo”, o que indicaria que já havia planos contra a comunidade por volta de 49 d.C.; isto é, logo após seu surgimento[49].
A tensão entre judeus-cristãos conservadores e pessoas provenientes da gentilidade poderia estar provocando um “cisma” no interior da comunidade, como acreditam Dorneir e Carrez, “a carta aos Romanos visaria a conseguir que houvesse apenas uma Igreja de Deus em Roma” [50].

2.7.1.4 As profundas ligações entre Gálatas e Romanos

Os estudos têm mostrado que as cartas aos Gálatas e Romanos têm grandes semelhanças, o que, do ponto de vista da nossa análise, resulta importante, pois pode nos ajudar a visualizar este momento do processo paulino.
Dornier e Carrez, afirmam que a afinidade entre ambas as cartas é de “fundo e forma” e pode ser visualizada ao relacionar textos com conteúdo comum, como[51]: Gálatas 2:6-19 (com Romanos 2:11; 15:15;1:5; 7:4-6) ; Gálatas 5:13-20 (com Romanos 1:25; 6:15; 8:5) e, do lado de Romanos 3:20-28 podemos colocar Gálatas 2:16; 3:16); e de Romanos 4:14-16 (está Gálatas 3:18-19,28-29; 7:14s; e assim por diante.
Desta comparação podem ser destacados assuntos comuns, como:
A questão da inclusão de todas as pessoas sem distinção (Gálatas 2:6-19; Romanos 3:20-31);
A questão da nova cidadania e nova dignidade como herdeiros/as do Reino (Romanos 4:14-16 e Gálatas 3:23-29);
A libertação da lei e do pecado que levam à morte e a nova liberdade que vem do amor de Deus pela humanidade, e do seu reflexo da vivência do amor de uns pelos outros, através do seu Espírito Santo (Romanos 7:13-25; 8:4-5,15-17; 13:8-10 e Gálatas 4:6-7; 5:13-25).

Neste momento a reflexão se volta para o mundo das relações humanas (dentro do qual podemos colocar desde aquelas mais interpessoais até as sociais, políticas e econômicas – como a coleta para Jerusalém). O Evangelho começa a ser ameaçado quando há pessoas querendo acomodar o Projeto de Deus em Cristo ao esperado pelas ideologias dominantes ( o que Paulo chama de “agradar os homens”; Gálatas 1:10); ou aos princípios conservadores, isto é, a teologias fechadas para a realidade social e política que Paulo combate afirmando: “não vos conformeis ao mundo presente, mas sede transformados pela renovação de vossa inteligência, para discernirdes qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito” (Romanos 12:2). Dizer para uma comunidade que se encontrava no centro do poder do mundo – segundo a percepção imperial – que não se conforme, era, de fato, abrir suas vidas e sua prática para uma profunda transformação!
O conceito de inclusão parece, novamente, resumir bem a transformação das relações que, segundo Paulo, é proposta e realizada pelo Evangelho. A nova dignidade que iguala a humanidade além de qualquer diferenciação (Gálatas 3:28!); mas, principalmente a liberdade. Ele, ao olhar para os frutos do Evangelho vê pessoas livres, libertadas, re-feitas e sente a necessidade de lutar pela preservação dessa liberdade contra ameaças internas e externas.
Nesta etapa vemos que Paulo não exclui nenhuma das três perspectivas levantadas por Ridderbos:
a. Há aspectos da interpretação pessoal, pois o apóstolo se volta sobre a sua prática, defende os valores a ele revelados através do seu processo pessoal e dos processos comunitários que ele desenvolveu durante seu ministério missionário. Ele fala da vontade de rever, de visitar, ele agradece (Romanos 16). Ele está presente como pessoa defendendo o mesmo Evangelho que o redimiu e descobrindo-o como instrumento de transformação do mundo!
b. Na perspectiva histórico-religiosa vemos que se volta para dentro, na defesa do Evangelho contra a acomodação; e também para fora mostrando suas diferenças como os valores da teologia imperial.
c. Também, não deixa de ser escatológico já que a justificação, a liberdade e a fé propostas, mesmo com conseqüências práticas imediatas, visam uma nova cidadania eterna, no Reino. A nova escatologia coloca pessoas antes escravas e súbditas como novos herdeiros e herdeiras da graça, o que não é uma alternativa à ordem romana, ao tempo. Como horizonte de vida a escatologia motiva pessoas e comunidades na resistência contra a perseguição – ameaça externa – e contra a acomodação – ameaça interna.
2.7.1.5 As cartas da prisão: resistência e esperança.

As chamadas “cartas da prisão” estão bem identificadas por boa parte da pesquisa. Em América Latina, após a ditadura militar este gênero também foi bastante desenvolvido em obras como a de Frei Betto (Cartas da Prisão, 1969-1973) e outras menos conhecidas do mesmo período, como a de José Magro (Editora Avante,1975). No Novo Testamento, não podemos esquecer que o Livro de Apocalipse é também feito “desde a prisão” (cf. Apocalipse 1:9). Mas, o que faz com que pessoas escrevam desde a prisão? Encontramos duas motivações básicas:

a. A resistência da pessoa presa, que ainda se sente, na luta, mesmo que aprisionada.
b. A esperança da superação da conjuntura de repressão, sofrimento e morte que colocaram ela, e muitas outras pessoas, na prisão ou em situações ainda piores (morte, tortura, etc.).

Para J. L. Houlden, estas cartas “oferecem uma porta dos fundos para o estudo de Paulo, com as vantagens e limitações desta forma de entrada”. Assim, sem a grandeza da entrada principal, são reveladas as questões vitais da casa. Estas cartas são muito mais práticas que doutrinárias. Quando poderíamos imaginar que o apóstolo, sem mais nada para fazer, aproveitaria o tempo de prisão para consolidar sua doutrina ele faz o contrário[52]. Isso, conclui o autor em sua introdução, o leva a “aderir ao princípio de que Paulo escreveu para os homens (sic.) do seu tempo dentro das necessidades dos seus dias; e através disso seu ensinamento foi mais longe derivando para as suas descobertas – insights – sobre a relação de Deus com a humanidade” [53]·.
Segundo explica Comblin, “Paulo está na cadeia à espera de julgamento, mas com certas regalias, pois ele pode receber visitas e os serviços de discípulos e amigos” [54]. A descrição colocada na carta aos Filipenses expressa a razão do seu cativeiro em uma frase: “por causa de Cristo”. Sendo assim, longe de desanimar seus companheiros e companheiras de missão os “encoraja no Senhor” e descobre que estas pessoas, a partir da resistência do apóstolo “redobram a audácia para anunciar sem medo a Palavra”. Mesmo que Paulo considere que alguns queiram se “aproveitar” do “espaço vazio” deixado por ele, outros, conforme ele observa, continuam a proclamação do Evangelho “com boa intenção” (Filipenses 1:13-14)[55].
Tudo indica que Paulo foi muito bem recebido pela comunidade para a qual tinha escrito a carta aos Romanos, alguns anos antes da sua prisão. Esta recepção parece ter sensibilizado profundamente o apóstolo. Também, segundo relata Lucas em Atos, Paulo teve uma reunião com as lideranças judaicas em Roma, o que garantiu que não seriam levadas adiante, no julgamento, as acusações que lhe tinham feito em Jerusalém. Mesmo assim, eles advertiram saber da “má fama” da “seita” defendida por Paulo, e ouve a oportunidade de ele expor seus argumentos (Atos 28:15-29)[56]. Parece que a comunidade judaica formava, desde o século segundo antes de Cristo, uma importante comunidade em Roma. Segundo Holzner, a comunidade judaica de Roma já tinha trocado a língua materna pelo grego e chegava a ter grande influência, até “nas esferas imperiais”[57]
Mesmo que existam teorias sobre o fato da prisão de Paulo ter sido em outro lugar, há quem defenda que teria ficado preso em Êfeso, preferimos simplificar a discussão e limitar sua prisão ao contexto de Roma. Alguns testemunhos que sustentam as outras teorias sobre a prisão de Paulo são tomados de cartas sobre as quais recaem dúvidas autorais, como Colossenses e Efésios[58]. Parece-nos melhor acreditar que Paulo chega a Roma entre os anos 60 ou 61[59]. Parece que o cristianismo foi abraçado também por famílias das classes altas de Roma, entre eles a família dos Cornélios. Algumas mulheres da aristocracia foram acusadas de “praticar uma superstição estrangeira”. É provável, conforme indica a tradição, que a primeira amante de Nero, que depois se tornaria sua mulher, sendo repudiada por ele, chamada Acteia (antiga escrava da Ásia Menor), também tivesse se convertido secretamente ao cristianismo. Mas, com todas estas possíveis evidências, Holzner não deixa de afirmar que: “o movimento cristão difundiu-se, sobretudo entre as classes baixas da sociedade, que encontravam nele um fundamento religioso para as suas aspirações de humanitarismo e liberdade” [60].
Desta forma podemos imaginar que, na prisão:

O apóstolo estava mais preocupado com o futuro do cristianismo no império romano (já apontado como seita pelas lideranças do judaísmo, identificado como uma ameaça pela aristocracia e como uma esperança entre as classes populares), do que com sua própria segurança (já que ninguém parecia disposto a levar adiante as acusações que lhe foram feitas em Jerusalém).
Tinha esperança de ainda orientar as comunidades para continuar a divulgar “com audácia” o Evangelho, e, pela graça de Deus, chegar até Espanha!
Que certamente o massacre de Nero o deve ter sido uma supressa.

A carta aos Filipenses carrega, no seu interior, a possibilidade de serem duas ou três cartas posteriormente unificadas (hipótese que hoje é amplamente aceita pelos estudos mais sérios)[61]. Não vamos entrar nesta questão porque nosso objetivo não é fazer um estudo da(s) carta(s) em si, mas de como ela(s) reflete(m) o momento do apóstolo comparando-a(s) com a carta de Filemon.
A carta a Filemon tem como particularidade o fato de ser a única carta, indiscutivelmente paulina em sua integralidade (o que não podemos dizer das de Timóteo e Tito); cujo assunto é apenas uma pessoa (o escravo Onésimo) e que se dirige a uma pessoa (o dono/senhor Filemon; mesmo que possa ser extensiva à comunidade que se reúne em sua casa; Filemon 2; cf. 1 Coríntios 16:19; Romanos 16:5)[62]. É provável que Filemon vivesse na Província da Frigia, em Colossos, pelo que autores como Comblin associam seu comentário ao da carta aos Colossenses[63]. No entanto, evitaremos entrar no contexto da igreja de Colossos concentrando a análise nos princípios que Paulo aplica à situação concreta deste escravo que, pela lei do império, teria cometido uma falta grave e que, pela graça de Deus, deve ser recebido como um irmão (Filemon 15-18).
Como queremos focar o momento, vamos no debruçar sobre o que seria a “carta B” aos Filipenses (1:1-3,1 ; 4:2-7,21-23) onde o apóstolo usa a prisão como ponto de partida da sua reflexão[64]. No tocante à(s) Carta(s) aos Filipenses, Bortolini afirma que entre a primeira e segunda carta, ambas escritas na prisão, “Paulo fez uma revisão de vida, resumida na expressão: “o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (1:21). Paulo receia que possa morrer e quer se mostrar tranqüilo e seguro, caso isso venha acontecer (2:17-18). Lembrem que, no primeiro momento, na mensagem do apóstolo para os Tessalonicenses e Coríntios, ele aconselhou essas comunidades sobre resistência e esperança diante da morte (inclusive do martírio). Mas, mesmo diante desta possibilidade Paulo reafirma sua fé na vida (1:24-25); isto é, não há vantagem para o Evangelho no martírio, mas a luta pela vida! Esta vontade de viver transparece nos seu planos futuros no final da carta (2:24)[65]. Portanto, pode se suspeitar que ele esteja querendo tirar das comunidades alguma preocupação excessiva com ele mesmo (sabemos que os Filipenses se destacaram pelo grande apoio dado à Paulo na prisão; cf. Filipenses 4:10-14). O que Paulo quer é focar a atenção sobre a própria comunidade num contexto cada vez mais hostil dentro do Império Romano.
O bem chamado “bilhete” a Filemon, não deixa de ser também uma revisão de vida, pois Paulo parte de sua experiência fraterna com o escravo Onésimo para confirmar os princípios de resistência e esperança que marcam este momento da sua vida:

Resistência ao opor os princípios do Evangelho de fraternidade ao sistema legal do Império - que acarretaria graves castigos para o escravo fugitivo (“não mais como escravo, e sim, como bem mais do que escravo: como irmão bem amado”; Filemon 16). Para garantir essa resistência evoca, já no cabeçalho duas outras lideranças da sua máxima confiança (Ápia, chamada nossa irmã – e Aquipo – cidadão do Império, chamado de companheiro de armas; Filemon 2).
Esperança que se reforça no conceito de novas relações “para a eternidade” e até do reencontro (22) com a “promissória” do próprio punho para o pagamento de qualquer prejuízo econômico (15b.18); mesmo que recorde uma dívida maior, que é o resgate do próprio Filemon (19). E finalmente, uma saudação para irmãos e irmãs (que junto com Onésimo preocupam o apóstolo) como Epáfras (também preso) e outras lideranças da comunidade (Filemon 23-24).
Será que nesta etapa tão particular a gente pode encontrar aspectos pessoais, histórico-religiosos e escatológicos? Paulo parte, sem dúvida, da situação concreta em que ele e as comunidades se encontram, no entanto, constrói sua mensagem a partir do sedimento de toda sua experiência missionária, sem abandonar seus princípios fundamentais.

a. O lado pessoal é inegável! A situação de prisão influencia fortemente sua linguagem e torna-se referência clara nestas cartas. No entanto, não aponta para si mesmo, mas a partir dele para um contexto cada vez mais perigoso e delicado das comunidades e lideranças cristãs no Império Romano (Fl 1,12-26 e Fm 8-16).
A relação com o contexto histórico e religioso não se perde, pois é por causa deste contexto que, não só Paulo, mas outros irmãos e irmãs em Cristo, estão sofrendo, temendo-se a possibilidade da traição! (Fl 1,27-30;2,1-4; 4,2-7; Fm 1-3.22-25).
A esperança que se projeta em curto prazo com o planejamento de futuras visitas, também se estende à eternidade no sentido místico e escatológico (encontrando aqui, novamente, a sistematização doutrinária do momento).

2.8 O legado inclusivo de Paulo nos seus textos

Esta revisão dos textos de Paulo mostra um apóstolo do Evangelho de Cristo como boa nova de inclusão, de superação de barreiras, de busca de novos relacionamentos. Podemos interpretar de diferente forma alguns textos que nos parecem mais “repressivos” como a aparente limitação das mulheres em 1 Coríntios 11:1-16. Outros podem que não sejam diretamente paulinos, pelo que limitamos esta pesquisa às cartas cuja autoria é unanimemente aceita.

2.7 A teologia da graça como expressão da experiência missionária de Paulo

Até agora percorremos duas etapas na busca de mergulhar neste “processo paulino”. Na primeira tentamos reconstruir sua trajetória histórica, na segunda sua produção teológica, pastoral e missionária. Agora queremos, através da Teologia da Graça, arriscar a compreensão do desafio que o apóstolo Paulo deixou em aberto para todas as gerações.

2.7.1 A teologia da graça: base de uma nova religião de Jesus Cristo ou a consumação inclusiva e universal do Evangelho do Reino proclamado por Jesus de Nazaré?

No livro intitulado “De Jesus a Paulo”, Joseph Klausner (professor da Universidade Hebraica de Jerusalém), cita Julius Wellhausen, que afirmou: “Jesus não era um cristão, ele era um judeu”. Segundo o autor não se trata de uma frase leviana, mas foi fruto de décadas de pesquisa[66]. Não resta dúvida que nunca foi intenção de Jesus formar “uma nova religião e proclamá-la fora da nação judaica”[67].
Uma série de observações, nos relatos do Segundo Testamento, indicam que Jesus era um messias dos judeus e para os judeus, e, se extensivo a outros povos, seria nada mais do que a continuidade do judaísmo:
a. As recomendações para a missão dos 12 apóstolos no Evangelho segundo Mateus: “não tomeis o caminho dos pagãos e não entreis numa cidade de samaritanos” (Mateus 10:5).
b. O princípio levantado no debate com a mulher grega ou siro-fenícia: “Fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel “(Mateus 15:24; omitido em Marcos 7:24s);
c. O fato das primeiras comunidades continuarem a freqüentar assiduamente o Templo de Jerusalém (Atos 2:46)
d. O movimento religioso de Jesus Cristo receber como primeiro nome “O Caminho” (Atos 9:2 e 19:23).
e. As profundas controvérsias causadas pela dispensa da circuncisão e outras obrigações da lei judaica para os convertidos originários de outras nações (Atos 15).

O apóstolo Paulo, segundo relata Lucas em Atos dos Apóstolos, decide ir primeiramente às sinagogas da diáspora e ( só depois de enfrentar resistências) estende sua pregação aos gentios, começando com os prosélitos (isto é, os não judeus que freqüentavam as sinagogas). Já no fim do seu ministério ele continúa a participar de cerimônias no Templo de Jerusalém, buscando eliminar os boatos que o colocavam como “inimigo da Lei de Moisés” (segundo Atos 21:23-24). Enfim, também no caso de Paulo, tudo parece indicar que não havia a intenção de criar uma religião independente (cf. Atos 9:20).
Contudo, o afastamento progressivo entre a teologia da “Igreja de Cristo ou de Deus” através do Evangelho proclamado por Paulo é evidente (cf. 1 Coríntios 10:32). A perseguição promovida por algumas lideranças das comunidades judaicas contra o ministério apostólico de Paulo motivou uma maior diferenciação entre ambas as propostas religiosas (2 Coríntios 11:24). A postura tolerante de Paulo se contrapõe à base doutrinária do judaísmo, isto é, à obediência da lei. Segundo Joseph Fitzmyer, quando Paulo fala em “meu/nosso evangelho” (Romanos 2:16-25; 1 Tessalonicenses 1:5; cf. 1 Coríntios 15:1) nada indica que esteja anunciando algo exclusivo ou pessoal, muito pelo contrário, “Paulo conhece um único Evangelho (Gálatas 1:6)” e “para ele Jesus Cristo é o Evangelho”. No entanto, quando Paulo usa o termo “meu evangelho” refere-se, sim, a “uma graça especial da missão que lhe fora confiada”, até a prisão foi para ele uma “graça” (Filipenses 1:7,16)[68]!

O caráter anti-judaíco da doutrina da justificação em Paulo (dentro da qual se encontra claramente a questão da graça) foi discutido por Ernest Kaesemann a partir de um artigo de Krister Stendahl. Stendahl considera um erro “colocar no centro da teologia do Apóstolo a sua luta contra a interpretação judaica da lei e da doutrina da justificação que dela decorre”. O problema estaria no que Stendahl chama de “consciência ocidental” que teria “superestimado a oposição de Paulo ao judaísmo” sendo que, quando libertada deste condicionamento filosófico e cultural, poderia compreender que não havia em Paulo “seja como judeu e fariseu, seja como cristão convertido, aquele agudo senso de culpa que seus intérpretes posteriores lhe atribuíram” [69].
Kaesemann, com quem concordamos neste aspecto, aponta para o fato de que, se for retirado o sentido dialético e claramente oposto a teologia legalista judaica, toda a doutrina da justificação em Paulo fica esvaziada, seria, segundo ele, como retirar o caráter escandaloso da pregação de Jesus em sua oposição ao Templo ou mesmo a sua Cruz. Este autor afirma que “sem sua combatividade ela se paralisa”, e pergunta: “quem é representado pelo legalismo judaico, contra o qual Paulo se voltou?” E logo responde que é aquele que “transformou as promessas de Deus em privilégios pessoais e os mandamentos de Deus, em meios para a própria justificação” [70].
O próprio Saulo/Paulo apresentava, eventualmente, como “fariseu” (Filipenses 3:5), portanto, ele carrega e representa aquilo que ele mesmo queria superar, dentro e fora do judaísmo. Ele mesmo se coloca nesta situação em Romanos 3:9: “Temos nós ainda, os judeus, alguma superioridade? Absolutamente, não!”. Fica mais do que comprovado que Paulo não desenvolveu sua teologia, e em especial a teologia da graça, por “pura revelação” ou pelo deslumbramento com a maravilhosa mensagem do Evangelho de Jesus Cristo; sem estar dialeticamente relacionada à teologia judaica legalista da justificação. Mas, também parece exagero entender a teologia paulina como sendo “anti-judaica”. Paulo rejeita uma forma do judaísmo que ele conheceu bem, dentro do qual foi educado e formado desde sua infância, que, segunda sua auto-percepção o tornou uma figura desprezível como perseguidor de outras pessoas sinceras que buscavam a Deus pelo “caminho” de Jesus Cristo. Finalmente, quando, pelo processo de conversão/transformação, consegue ver a si mesmo do outro lado, descobre uma nova perspectiva dentro da mesma fé. Neste contexto é que considero as afirmativas fortes, como esta: “Por causa dele, perdi tudo e considero tudo isso como lixo/estrume, a fim de ganhar a Cristo e ser achado nele, não com uma justiça que seja minha, que venha da lei, ma com a que vem de Deus se apóia na fé” (Filipenses 3:8-9). Paulo certamente é movido pela convicção interior, de que o judaísmo é bom, e que nele há salvação. Ele não rejeita as tradições judaicas, pelo contrário, baseia sua argumentação na fé de Abraão (Romanos 4). Ele também se coloca do lado do “judaísmo”, quando afirma:

Porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus irmãos, meus compatriotas, segundo a carne. São israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas; deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o que é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém! (Romanos 9:3-5)

A salvação universal promovida pela fé e pela graça não era uma “saída” ou uma “alternativa” ao judaísmo, mesmo que lhe fosse altamente ofensiva. Robin Scroggs afirma: “que mais ofensivo que Deus igualar todos (Romanos 5:18)”. O ofensivo é a radicalidade inclusiva de Paulo “quando Paulo diz que Deus justifica só pela graça” mostrando “a radicalidade de uma libertação última, de uma ofensa última (...) ofensiva porque todos os padrões morais importantes para o mundo são derrubados” [71].
Paulo queria compartilhar com opovo judeu aquela libertação que ele recebeu, aquela que o transformou de religioso intolerante, violento, perseguidor, destruidor, auto-confiante, em um ser humano livre, mesmo que pecador; com uma vida plena de sentido, mesmo que em conflito com as forças da morte; poderoso em Cristo, mesmo que fraco e limitado em si mesmo; com pouco tempo para fazer tudo o que gostaria, mas com seu olhar na eternidade (cf. Romanos 6:23; 1 Coríntios 15:55-56; 2 Coríntios 4:7-15; etc.).
Esta possibilidade hermenêutica coloca o ministério de Paulo em tensão não contra o “judaísmo”, mas contra uma religiosidade intolerante, perseguidora, preconceituosa e discriminatória, que certamente ainda vive e se manifesta forte e claramente entre nós, e na nossa realidade religiosa, cristã.
Por outro lado, a teologia da graça não vem pronta. Ela resulta de uma reflexão constante que, partindo da experiência original das relações do apóstolo com o perseguidor e vice-versa, se nutre da experiência da pregação do amor de Cristo na realidade greco-romana. Enfim, trata-se de um processo radicalmente inclusivo e transformador!

2.7.2 Graça: da exclusão à inclusão, da aculturação à inculturação.

Alguns atribuem a “mistura” de elementos do pensamento grego em Paulo à sua formação anterior. Não podemos negar que a formação anterior de Paulo ofereceu, assim como a formação judaica, elementos para este diálogo. Devemos, no entanto, interpretar este fenômeno como uma mera influência de linguagem ou como uma verdadeira incorporação de elementos “mais tolerantes” e “mais inclusivos” da cultura grega na proclamação do Evangelho amoroso e inclusivo de Cristo, através da ação da Sua graça?
Vejamos o que diz Cranfield se referindo ao entendimento paulino sobre o batismo:

A opinião segundo a qual Paulo foi profundamente influenciado na sua compreensão do batismo (...) pelos cultos contemporâneos dos mistérios gentílicos, foi bastante amplamente sustentada. Era característico destes cultos o fato de que um traço de importância central era a morte e ressurreição do deus adorado e que os ritos de iniciação suponha-se que realizavam a união da pessoa, que estava sendo iniciada com deus (...)[72].

Haveria, então, na teologia da graça em Paulo, alguma base para o diálogo não só ecumênico (dentro das igrejas cristãs), mas macro-ecumênico (no sentido inter-religioso)? Esta pergunta nos leva para a análise do que Paulo quis dizer quando afirmou:

Porque ainda há também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são também todas as coisas e nós também por ele (1 Coríntios 8:5-6).

Mesmo que, inicialmente ele esclareça sua perspectiva ao dizer: “que se chamem deuses”, a frase termina afirmando: “há muitos deuses e muitos senhores”. Isso certamente contrasta com a afirmativa plasmada na segunda parte da profecia de Isaías (reagindo contra o Império Persa): “Eu sou o Javé, e não há outro; além de mim não há Deus” (Is 45.5; cf. 45.6,14,18,22 e 46.9). É claro que Paulo reafirma a fé “para nós” (cristãos), mas será que ele admite a diversidade para os outros?
Vejam que, o contexto desta afirmativa é o consumo de carnes sacrificadas aos ídolos que, segundo Lucas, teria sido explicitamente proibida no Concílio de Jerusalém (Atos 15:20; cf. 1 Coríntios 10:28). Portanto, Paulo trata da relação entre as práticas cristãs e a Teologia da Graça em Cristo, com outras expressões religiosas. O próprio Lucas descreve Paulo apresentando Jesus Cristo para os atenienses como um dos “deuses” do seu panteão (Atos 17:22-23) e que, em outra ocasião, ao ser acusado de falar contra a imagem de Ártemis em Éfeso, os seus defensores afirmaram que ele não falou em nenhum momento contra a fé na deusa (Atos 19:35-37).
Estes elementos nos levam a ver o apóstolo Paulo como um cidadão do mundo greco-romano que, naturalmente, admitia viver dentro de uma diversidade religiosa e cultural. Ele apenas pretende demonstrar a particularidade da sua fé dando a todas as pessoas a chance de aceder à graça de Deus (Romanos 3:9-10,21-27)! Outros elementos de origem claramente helenística, como alguns dos dons atribuídos ao Espírito Santo, particularmente a glossolalia (dom de falar em línguas divinas apenas entendidas pelas divindades e pessoas por elas habilitadas), provêm da cultura religiosa dos gentios e são incorporados espontaneamente (de forma inculturada e interreligiosa). Portanto, as origens da fé cristã, e em boa parte, seu desenvolvimento posterior, estendem sua inclusividade para outras manifestações religiosas e culturais beirando o que se chama de “sincretismo”, isto é, a mistura de tradições religiosas de diferentes divindades.


Revdo. Dr. Humberto Maiztegui Gonçalves
(humbertox@uol.com.br).




Bibliografia citada:



[1] Henry BETTENSON (ed.). Documentos da Igreja Cristã, p.148-149 e 156-159. Este autor apresenta diversos documentos da Igreja Cristã dos primeiros séculos, que constituem para nós testemunhos de grande importância pela proximidade histórica com os acontecimentos, em um deles Vicente Lerinense (434 EC) indica que, em um primeiro momento, se acreditava que um “cânon das Escrituras completo e suficiente em si” seria suficiente para combater o que ele chamou de “degradantes corruptelas da heresia” e dispensaria a “necessidade de ainda termos que lhe juntar a interpretação da Igreja” (depois chamada de “magistério”). No entanto, mesmo que consideremos ser esta a motivação original, outro documento do Imperador Zenon César (482 EC) avalia os resultados do Concílio de Nicéia como extremamente positivos e divinamente inspirados “a fim de promover em toda parte o crescimento da Igreja Católica e Apostólica, a imaculada e imortal mãe de nosso reino”. Portanto, o Imperador via na Igreja, e em todo seu aparelho doutrinário, que certamente incluía as Escrituras Sagradas, o sustentáculo da sua própria soberania.
[2] Marcos Paulo Monteiro DA CRUZ BAILÃO (Cânon, p.125) indica que a ordem primeira dos Evangelhos a aparecer nas seleções de textos cristãos foi Mateus, João, Lucas e Marcos “provavelmente por se considerar os dois primeiros de origem apostólica direta, enquanto os outros dois tinham apostolicidade indireta”.
[3] John Dominic CROSSAN. O nascimento do Cristianismo, p.151.
[4] Eduard LOHSE (Introdução ao Novo Testamento, p.46-48) distingue, na tentativa de reconstrução da cronologia paulina, dois tipos de cronologia a absoluta e a relativa. Sobre isso esclarece que “nenhum escrito do NT vem acompanhado de uma referência exata de data” apontando para uma cronologia absoluta dos textos e seus autores, ficando, então, o recurso de, a partir de referências históricas indiretas, determinar uma “cronologia relativa”.
[5] Werner Georg KÜMMEL. Introdução ao Novo Testamento, p. 117 (defende uma data próxima, porém anterior, ao ano 70). Sebastião Armando Gameleira SOARES e João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p.14 situam a composição do Evangelho segundo Marcos por volta dos anos setenta, afirmando que “pode-se se pensar nos anos 65-67, antes da destruição de Jerusalém pelo Império Romano”.
[6] Eduard LOHSE, Op. Cit, p.50. Maurice CARREZ. A vida de Paulo, p.30. Werner Georg KÜMMEL. Introdução ao Novo Testamento, p. 326.
[7] Andre BENOIT. The transmission of the Gospel in the First Centuries, p. 153.
[8] Joseph KLAUSNER. From Jesus to Paul, p.3.
[9] Idem, p.4.
[10] Joseph A. FITZMYER. Linhas fundamentais da teologia paulina, p.41-42.
[11] Maurice CARREZ. A vida de Paulo, p.17,23.
[12] Serafín de ASUEJO. Diccionario de la Biblia, p.735. Neto do rabino Hillel, considerado, na tradição judaica um dos mais famosos escribas (conforme SOTÁ 9.15).
[13]
[14] Carlos MESTERS. Uma entrevista com o apóstolo Paulo, p.6-9. José COMBLIN. Paulo, trabalhador e apóstolo,.
[15] Joseph FITZMYER. Linhas fundamentais da teologia paulina, p.21.
[16] José Maria GONAZALEZ-RUIZ. O Evangelho de Paulo, p.10-12.
[17] David J. BOSCH. Missão transformadora, p. 162-163.
[18] Existem cartas ou epístolas atribuídas ao apóstolo Paulo que a crítica literária tem questionado como sendo autenticamente paulinas. A primeira a ser rejeitada como de Paulo foi Hebreus (hoje quase que unanimemente tida como não paulina). Depois as suspeitas caíram sobre outras, como as pastorais 1 e 2 Timóteo e Tito, e sobre Efésios e as continuações das cartas aos Coríntios e aos Tessalonicenses (2 Coríntios e 2 Tessalonicenses). Destes questionamentos surgiu o termo de “pseudo-paulinas”, outros, entre os quais me incluo, preferem chamar estas cartas de “deutero-paulinas”(no sentido de que elas podem conter partes originais e, em muitos casos, representar uma continuação fidedigna do ensinamento do apóstolo).
[19] Herman RIDDERBOS. El pensamiento del apóstol Pablo (Buenos Aires: Ed. Certeza e Ed. Ecaton, 1979); p.27-28.
[20] Idem; p. 32-37.
[21] Idem; p.39-40.
[22] Joseph A. FITZMYER. Linhas fundamentais da teologia paulina (São Paulo: Paulinas, 1970); p.17.
[23] Neill ELLIOTT. Liberating Paul, the justice of God and the politics of the apostle (New York. Orbis Books, 1994).
[24] George KÜMMEL. Introdução a Novo Testamento (São Paulo: Paulinas,1982); p.320.
[25] Idem; p.327.
[26] Idem Ibid.
[27] José BOROTOLINI. Como ler a Primeira Carta aos Tessalonicenses (São Paulo: Paulinas, 1991); p.9.
[28] George KÜMMEL. Introdução a Novo Testamento; p.327-328.
[29] José BOROTOLINI. Como ler a Primeira Carta aos Tessalonicenses; p.18.
[30] Jorge PIXLEY. As epístolas paulinas:cartas ocasionais a Sagrada Escritura (In: RIBLA 42/43; P.100s. Petrópolis: Vozes,2002); p.101-102. “(...) escrita no ano 49, mais ou menos. Paulo chegara a Atenas e inquetou-se sobre a situação da jovem igreja de Tessalônica e por isso enviou Timóteo para saber qual era a situação (3,1-5). Quando Timóteo volta, informa a Paulo sobre a fé e o amor que prevalecem entre os crentes de Tessalônica, o que muito anima Paulo (3,5-10)”.
[31] George KÜMMEL. Introdução a Novo Testamento; p.333.
[32] Jorge PIXLEY. As epístolas paulinas:cartas ocasionais a Sagrada Escritura; p.102
[33] George KÜMMEL. Introdução a Novo Testamento; p.349.
[34] Jose COMBLIN. As Cartas de Paulo (São Leopoldo: CEBI, 1994); p.13.
[35] Gerd THIESSEN. Sociologia da Cristandade Primitiva (São Leopoldo: Sinodal,1987); p.134.
[36] Idem; p.135-136.
[37] Jose COMBLIN. As Cartas de Paulo; p.12.
[38] George KÜMMEL. Introdução a Novo Testamento; p.360.
[39] Guillermo HENDRIKSEN. Gálatas, comentário del Nuevo Testamento (Grand Rapids: Subcomisión de Literatura Cristiana, 1984); p.16-17. O autor apresenta a discrepância entre o relato de Lucas em Atos e o que o apóstolo declara na carta. Em Atos 13 -14 o começo da Igreja entre os Gálatas se dá no contexto da segunda viagem, após o Concílio de Jerusalém; quando menciona o desvio de Icônio por causa do apedrejamento promovido por judeus e gentios contra os apóstolos, chegando então a “Lacônia, Listra, Derbe e regiões circunvizinhas” (At 14,6). Nada se menciona sobre a doença de Paulo, levando o autor a acreditar que estes podem ser outros Gálatas. De fato em At 16,6; 18,23 e 19,1; quando menciona a Galácia refere-se a localidades mais ao norte.
[40] George KÜMMEL. Introdução a Novo Testamento; p.386.
[41] Pierre DORNIER e Maurice CARREZ. A Epístola aos Gálatas (In: As Cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. VV.AA. São Paulo: Paulinas,1987); p.117-118.
[42] José BORTOLINI. Como ler a Carta aos Gálatas, Evangelho é Liberdade (São Paulo: Paulinas,1990); p.10-11.
[43] José COMBLIN. As Cartas de Paulo, p.16.
[44] Guillermo HENDRIKSEN. Gálatas, comentário del Nuevo Testamento; p.31.
[45] Jorge PIXLEY. As epístolas paulinas:cartas ocasionais a Sagrada Escritura; p.108.
[46] Idem. Ibid.
[47] José COMBLIN. As Cartas de Paulo, p.9-10.
[48] Pierre DORNIER, Maurice CARREZ. A Epístola aos Romanos. (In: As Cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. VV.AA. São Paulo: Paulinas,1987); p.143.
[49] George KÜMMEL. Introdução a Novo Testamento; p.399.
[50] Pierre DORNIER, Maurice CARREZ. A Epístola aos Romanos; p.146.
[51] Idem; p.121-122.
[52] J. L. HOULDEN. Paul’s letters from prision: Philippians, Colossians, Philemon, and Ephesians. Philadelphia: The Westminster Press, 1977); p. 24.
[53] Idem; p.27.
[54]José COMBLIN. A Epístola aos Colossenses e a Epístola a Filemôn (Comentário Bíblico NT. Petrópolis/São Leopoldo/São Bernardo do Campo: Vozes, Sinodal, Metodista, 1986); p.86.
[55] Carlo CREMONA. Pablo de Tarso, caminante de los pueblos (Bogotá: Ed. Paulinas H.S.P., 1993); p.206.
[56] Roy L. SMITH. Paul writes Scripture in Prison (New York: Abingdon Press, 1945); p.13.
[57] Josef HOLZNER. Paulo de Tarso (Lisboa: Áster, 1958); p. 473-474.
[58] Idem, p.16.
[59] Idem. Ibid (defende a chegada de Paulo na primavera do ano 60) e Josef HOLZNER. Paulo de Tarso, p. 465 (defende o mês de fevereiro de 61, no fim do inverno).
[60] Josef HOLZNER. Paulo de Tarso, p. 477-479.
[61] Simon LÉGASSE. A Epístola aos Filipenses e Epístola a Filemon (São Paulo: Paulinas,1984); p.12-13. Este autor indica que a “carta A” corresponderia a 4,10-20 ou 10-23 e seria um “bilhete de agradecimento pela ajuda enviada pelos Filipenses. A “carta B” corresponderia a 1,1-3,1a; 4,2-7 e, provavelmente, 4,21-23 onde ele fala da sua situação pessoal como prisioneiro (1,12-26), dá conselhos sobre a vida comunitária (1,27-2,18) e anuncia planos futuros (2,19-30). E uma terceira carta “C” que incluiria 3,1b-4,1.8-9; na qual Paulo faria a defesa de seu apostolado e não menciona o cativeiro o que poderia indicar um momento em que estava livre.
[62] Idem; p.66.
[63] José COMBLIN. Epístola aos Colossenses e Epístola a Filemon; p.9.
[64] Vide nota 43.
[65] José BORTOLINI. Como ler a carta aos Filipenses, o evangelho encarnado (São Paulo: Paulinas,1990); p.21.
[66] Joseph KLAUSNER. From Jesus to Paul, p.3.
[67] Idem, p.4.
[68] Joseph A. FITZMYER. Linhas fundamentais da teologia paulina, p.41-42.
[69] Ernest KAESEMANN. Perspectivas Paulinas, p.73-74.
[70] Idem, p. 83-85.
[71] Robin SCROGGS. Paulo for a new day, p.15-17.
[72] CARNFIELD. Carta aos Romanos, p. 130 (comentando Rm 6.3).