25 maio 2011



Carta-síntese do Congresso Teológico

de Passo Fundo

Nós, estudantes e docentes dos Institutos de Teologia do Rio Grande do Sul (Fapas, ITP, Setek, IMT, Estef, Fateo, Unilasalle, EST e Itepa), reunidos, de 9 a 12 de maio de 2011, em Passo Fundo/RS, no Congresso Teológico, refletimos o tema O fazer eclesial e as estruturas de ação evangelizadora no contexto urbano.

Analisando o contexto atual, dentre outras, foram destacadas as seguintes constatações:

- vive-se um período marcado por grandes mudanças em todos os níveis, atingindo, ao mesmo tempo, todos os segmentos e o mundo todo; passamos de um mundo pequeno e fechado a um universo com possibilidades infinitas; é um mundo pós-metafísico, que se caracteriza pela globalização, pela mundialização, pela planetarização;

- em decorrência disto, há um forte sentimento de que uma civilização está morrendo, rompendo com o passado das instituições tradicionais, devido ao abandono das fidelidades ao Estado, à religião, à família, à educação; neste contexto, mais importantes que as instituições, são consideradas as experiências individuais; a transmissão dos valores das gerações adultas aos mais novos vem encontrando, cada vez, mais dificuldades;

- no processo de urbanização mundial, o ano 2007 se configurou num marco histórico, atingindo, pela primeira vez, o índice de 50,01% da população vivendo em cidades; rompeu-se, também numericamente, com um parâmetro rural de milhões de anos; a dicotomia campo-cidade deu lugar ao predomínio da cultura urbana que atinge até mesmo as zonas rurais com seu estilo de vida; a cidade aparece como lugar agregador da pluralidade de fenômenos, provocando, ao mesmo tempo, a substituição ou mesmo a perda dos referenciais estabelecidos;

- experimenta-se uma nova concepção de tempo, marcado pela transitoriedade e a predominância do presente; no mundo urbano o tempo é crônico, reduzido e condensado no presente, rompendo qualquer vínculo com o passado, entendido como ultrapassado, e impedindo projeções de futuro, pois estas, quem as realiza é a mercadoria;

- a Mídia passa a ser um sujeito social de destaque, substituindo atores historicamente determinantes da vida social, como o Estado e as Igrejas; por estar nas mãos do capital e ser organizada em grandes redes, produz padronização comportamental no vestir, no comer, no beber, na forma de se relacionar, gerando relações líquidas, fragmentadas e virtuais, ressaltando o estético em vista do mercado, em detrimento do ético; a mídia ainda funciona como usina do imaginário que condiciona a vida social e individual;

- a razão científica, a racionalidade capitalista e o socialismo real não conseguiram solucionar os graves problemas da humanidade, como as grandes desigualdades, a exclusão, a violência, a incapacidade de aceitar o diferente; por isso, o contexto é de crise das utopias e das formas de organização da sociedade;

- a espiritualidade, como busca do sentido da vida, é marca singular do ser humano; ela tem a ver com o cuidado, em todas as suas dimensões; nesta linha de compreensão, cresce a consciência do reconhecimento dos próprios limites, da importância da outra pessoa e do cuidado com a natureza;

- as Igrejas históricas estão encontrando dificuldades em responder a estes desafios de mudança de época e de urbanização; na ânsia de desenvolver uma ação evangelizadora eficaz, criaram-se estruturas eclesiais que, hoje, precisam ser reavaliadas, pois comumente ainda são utilizadas a partir do paradigma rural, como a paróquia, que se mostra cada dia mais anacrônica como estrutura evangelizadora e como experiência eclesial criadora de novas possibilidades de vida pessoal e comunitária.

Ao refletir sobre as questões eclesiais, sentimos que o nosso fazer teológico, para responder aos desafios do contexto urbano em mudança de época, através de uma evangelização profética e libertadora, precisa considerar os seguintes aspectos:

- ser Igrejas que amem a cidade, com toda a sua complexidade, pois fazemos parte dela e é nosso campo maior de missão; nosso desafio é conhecer, entender e atender a cidade em direção a uma pastoral transformadora e libertadora;

- repensar as estruturas, principalmente as paroquiais, para que estejam a serviço da cidade, superando o seu anacronismo, que não responde mais às necessidades pastorais; trata-se de ousadia para criar novos meios que ajudem no serviço de inclusão de “Abel”, como os conselhos, que pensem, planejem e dinamizem a cidade, e ministérios que ajudem a viabilizar a evangelização inserida no contexto urbano em permanente transformação;

- retomar – sob o horizonte cristão da simbologia trinitária – a experiência paulina da Igreja das Casas, como espiritualidade da qual decorre o sentimento de pertença à Igreja, um espaço para partilhar e refletir as angústias, as dúvidas, os sofrimentos, os sonhos, as esperanças, as alegrias e as práticas de solidariedade da qual emana o comprometimento profético com a construção de uma cidade humana, acolhedora, samaritana, fraterna, solidária e justa, sinal de contradição ao antirreino e de encantamento no seguimento a Jesus;

- desenvolver processos formativos amplos, interdisciplinares, permanentes que auxiliem na valorização da história de cada cidade e na qualificação das lideranças eclesiais e comunitárias, para dialogar com a nova cultura urbana emergente, com as ciências, com os novos sujeitos, repensando os conteúdos e os enfoques do fazer teológico, contemplando diferentes hermenêuticas, que possibilitem a compreensão da cidade como espaço escatológico em vista da nova Jerusalém. Esses processos formativos são urgentes para todas as lideranças eclesiais e para as comunidades cristãs que se dispõem a participar de forma mais engajada na evangelização das cidades;

- incentivar o reavivamento missionário das Igrejas que, nascidas “das divinas missões do Filho e do Espírito desde o Pai”, são, por sua própria natureza, missionárias e chamadas a viver em estado permanente de missão e enviadas para dar testemunho de Jesus, que tem como centro de sua vida e missão o Reino de Deus;

- repensar a paróquia para que desenvolva o espírito missionário, tornando-a urbana, investindo na vida comunitária, dando espaço aos carismas e ministérios, equilibrando diversidade e unidade dos serviços eclesiais, fortalecendo a iniciação cristã por meio de uma nova hermenêutica bíblica e teológica, tornando a catequese uma experiência nova e significativa, qualificando as celebrações, dando transparência às finanças e consistência aos conselhos pastorais em processo permanente de planejamento e avaliação, priorizando a mística, o carisma, a ética, superando o clericalismo e desenvolvendo processos participativos; uma Igreja formada por discípulos e discípulas, como nos primeiros séculos, conforme a máxima: “não se nasce cristão, cristão a gente se torna” e, no nosso caso, desde a ótica latino-americana;

- recuperar a primazia das pessoas como ponto de partida do fazer eclesial, possibilitando viver a experiência pessoal e interpessoal: “As pessoas não podem ser reduzidas a função e a pura representação. Antes de ocuparem um lugar e de terem uma função, elas são alguém, um rosto outro, único, em relação ao qual eu também me defino, como outro, único” (Almeida, p. 241).

Dessa forma, propomos que nossos Seminários/Institutos/Escolas/Faculdades de Teologia se apropriem desta proposta, aprofundem a reflexão em seus contextos, ressignifiquem conceitos e práticas e ensaiem formas criativas de fazer teologia na cidade.

Passo Fundo, 12 de maio de 2011.