22 março 2013

CURSO DE VERÃO 2013 - PASTORAL DA ACOLHIDA





1.     Conceito de ministério de acolhida, suas características, e dimensões da pastoral. 

Revda. Claudia Prates 

O conceito de “acolhida” surpreendentemente não aparece em dicionários de teologia como um assunto que mereça um tratamento em si mesmo. Esta dificuldade indica que este tema ainda se encontra em estado embrionário. No entanto, sentimos nas nossas comunidades um apelo para tornar a “acolhida” o carro chefe da pastoral.
A questão que se levanta do ponto de vista conceitual é como definir o que seria um ministério de acolhida. Por isso o ponto de partida que se apresenta é o apelo das próprias comunidades que foi recentemente sistematizado pela Diocese Meridional da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil dentro de um projeto chamado “responsabilidade cristã e missão”. Claro que não podemos ficar apenas neste nível. Por isso encontramos nas dimensões da práxis pastoral apresentadas por Sergio Ulloa Castellanos, dentro de uma teologia latino-americana da encarnação, uma boa base para a construção conceitual e prática de um ministério ou pastoral da acolhida:
A encarnação de nosso Senhor nos ensina que ele se fez corpo para que vivamos saudavelmente. A encarnação significa concretamente a aceitação e acolhida desse corpo e, portanto, de suas implicações. Acolhendo-o, Jesus Cristo não só aceita uma igualdade básica com todos os seres humanos, mas também se submete voluntariamente às leis básicas da corporalidade (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.107).

1.1  Como entender o ministério de acolhida a partir da eclesiologia anglicana


A Diocese Meridional da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil publicou uma série de livretos abordando o tema da “Responsabilidade Cristã e Missão” sendo que o último deles trata especificamente dos “Ministérios de Acolhida, Divulgação e Comunicação nas Comunidades Locais” (MAIZTEGUI, DELGADO; 2010). Este entendimento da pastoral surge, conforme indica o livreto citado, das “Consultas sobre Responsabilidade Cristã e Missão” realizadas no 114º Concílio da Diocese Meridional em 2007; com a participação das representações do laicato de todas comunidades diocesanas e de todo clero. (MAIZTEGUI, 2008; p.36).
        O ministério ou pastoral da acolhida foi um dos assuntos destacados nesta consulta gerando uma definição citada no referido livreto:

Precisamos nos conscientizar daquilo que devemos fazer, comprometendo-se com uma boa acolhida/partilha, e sermos uma bênção na vida do próximo. Assim podemos participar da vida comunitária conforme as necessidades das pessoas, dentro e fora dela. As atitudes conscientes e comprometidas por si só divulgam a comunidade. (MAIZTEGUI, DELGADO; 2010; p.03).
            Nesta definição, que expressa os sentimentos das nossas comunidades e suas lideranças, a acolhida é vista junto com a partilha. Acolhida é portanto um valor da comunidade. O resultado desta pastoral deve se evidenciar na felicidade de outras pessoas (“na vida do próximo”) e por sua vez é vista como uma poderosa ferramenta de divulgação da vida comunitária.
            No 117º Concílio da Diocese Meridional em 2010 o assunto voltou como lema: “acolhendo no serviço e semeando na esperança”, conectando assim a pastoral da acolhida à tarefa evangelizadora. Tudo isso é resumido em cinco características: Acolhida como expressão do Amor de Cristo; A prática da Acolhida como Ministério; Acolhida como Partilha e Benção; Acolhida na Vida do Próximo e na Vida Comunitária; Acolhida como Atitude Consciente e Comprometida.

1.1.1       Acolhida como expressão do Amor de Cristo


                Conforme esta escrita no livreto referente a esta característica:
Não se trata de estimular uma atitude ‘hipócrita’ de afeto, mas de expressar o amor de Cristo, especialmente para aquelas que, por qualquer razão, oferecem mais dificuldade de relacionamento (MAIZTEGUI, DELGADO; 2010; p.04).
             Na vida eclesial e comunitária a pastoral da acolhida entra em tensão com a rede de relacionamentos que nem sempre são construtivos ou agradáveis. Por isso o entendimento da acolhida como ato de amor, deve se estender para a vida interna da comunidade. Devemos nos acolher mutuamente e diariamente, exercitando o ministério da acolhida que também, é claro, devemos praticar com as pessoas novas, visitantes, e com a sociedade onde a comunidade esta inserida.

1.1.2       A prática da Acolhida como Ministério


                 Conforme esta escrita no livreto referente a esta característica:
O Ministério da Acolhida tem três círculos de ação: o externo (bairro, cidade, região onde se encontra a comunidade), o local específico (a apresentação da própria comunidade, cartazes indicativos, etc), e o interno (dentro do templo, no salão, e em todas as atividades organizadas pela comunidade,
abertas ou não ao público em geral). (MAIZTEGUI, DELGADO; 2010; p.05).

                     O Ministério da Acolhida estabelece também uma ação de rede porque conecta círculos externos e internos da comunidade, mas também conecta as ações da comunidade que acolhe e que é acolhida, que recebe mas também oferece.

1.1.3       Acolhida como Partilha e Benção


                   Conforme esta escrita no livreto referente a esta característica:
 O Ministério da Acolhida exige que algumas pessoas estejam atentas para participação das outras pessoas na liturgia, devendo ajudar quem apresente alguma dificuldade. Para isso devem ter estes materiais em quantidade suficiente e em bom estado de conservação. Ajudar pode significar se deslocar do lugar onde se encontra e do lado de uma pessoa para auxiliá-la a acompanhar a celebração! (MAIZTEGUI, DELGADO; 2010; p.06-07).
               A acolhida litúrgica envolve diferentes aspectos que vão desde o recebimento das pessoas no Templo, acolhida temática da própria celebração, à  administração sacramental, e a saudação na saída do Templo (tipicamente anglicana). Portanto a pastoral da acolhida se transforma em um ministério transversal que envolve as pessoas que animam a liturgia, o próprio espaço litúrgico e a comunidade em geral.

1.1.4       Acolhida na Vida do Próximo e na Vida Comunitária


                Conforme esta escrita no livreto referente a esta característica envolve o que chamamos de “Ação Social” que deve ir ao encontro das pessoas que “não podem vir à Igreja, ou pessoas que vivem em situação que exigem de nós partilha, luta por justiça e direito, e junto com elas, sempre, é claro, com muito amor”. A pastoral da acolhida também chama a atenção sobre a dinâmica das “promoções comunitárias”, tão comuns na vida eclesial como fonte de sustento financeiro e de celebração da vida. Nestas promoções a comunidade tem uma grande oportunidade de exercitar a acolhida como “demonstração de amor (...) especialmente para as pessoas que não frequentam nossa comunidade (MAIZTEGUI, DELGADO; 2010; p.08).

1.1.5       Acolhida como Atitude Consciente e Comprometida


                  Conforme esta escrita no livreto referente a esta característica “uma acolhida consciente e comprometida significa levar a Igreja aonde a gente vai, e trazer os desafios de onde a gente for, para a Igreja”. Isto implica em buscar usar os espaços ou meios de comunicação, tais como: boletim paroquial, blogs, páginas de relacionamento (Orkut, Facebook, Twitter, enviar cartões de aniversário, telefonar para as pessoas, usar os jornais locais, rádios e canais de TV, etc. (MAIZTEGUI, DELGADO; 2010; p.08-09).

1.2  Dimensões da práxis pastoral e acolhida


         Sergio Ulloa Castellanos, aborda a questão da práxis pastoral como uma práxis dos “corpos”. Esta abordagem encarnacionista resulta interessante porque supera o sentido da “espiritualidade” como algo da esfera do “além” ou do puramente transcendental. Vemos nos rostos das pessoas das comunidades, e nos rostos dos que chegam aos nossos templos, ou nos encontram nas ruas, um apelo para acolhe-los na sua concretude, mesmo quando nos oferecemos para “orar por eles ou elas, ou pelas situações que lhes afligem” não parecem tão satisfeitos como quando lhes dizemos que iremos visita-los, ou que gostaríamos de conhecer o lugar onde vivem ou participar da situação em que se encontram.
            Por isso a abordagem da pastoral como prática dos corpos, nos ensina a encontrar as “almas” na vida concreta das pessoas, e neste campo é que acontece a acolhida. Vejamos como este autor nos introduz na sua visão de práxis pastoral da corporalidade:
Nosso corpo é feito para sair, para a busca do outro, para o encontro. Em Cristo, esta abertura é, ademais, o fruto de uma opção. Somos seres de relação. Negar-nos a isso é negar nossa humanização. Os olhos, as mãos, os pés, a palavra, o ouvir, os gestos, a postura vão além da pura ferramenta e se carregam de significado. Já não é saudável apenas o olho que vê, mas também o que aprende a olhar. Já não é saudável a boca porque meramente se expressa, mas as realidades humanizadoras que ela gera com seu falar. Já não é saudável o ouvido porque percebe informações, mas porque acompanha e se identifica com os demais. Já não é saudável o caminhar apenas pelo próprio fato de poder andar, mas também pelos caminhos pelos quais opta  (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.108).
           Sendo que a proposta de nosso estudo é encontrar o ministério da acolhida dentro da situação vivida pelo apóstolo Paulo entre as comunidades dos Gálatas e, paralelamente, considerar nossa realidade pastoral contemporânea. Buscaremos nas dimensões corporais da pastoral e – por extensão – da acolhida a chave hermenêutica que nos leve ao aprofundamento bíblico e eclesial desta prática.

1.2.1       A dimensão econômica: a práxis das mãos como prática do amor

                  A acolhida na dimensão econômica, na práxis das mãos ou do amor, tem haver essencialmente com “partilha” ou como diz o autor: “necessitamos aprender a compartilhar o que somos e o que temos” (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.110). A dimensão do compartilhar, vista como acolhida, nos mostra dois lados: um lado dá o outro recebe. Na vida comunitária estamos sempre de ambos os lados. Sendo assim acolher é aceitar receber e ao receber aceitar dar. Esta prática é econômica porque na perspectiva dos corpos vivenciamos a partilha em atos concretos que envolvem sustento, apoio, hospitalidade, comunicação, afeto e até consolação. Conforme declara Ulloa Castellanos: “Em minha experiência pastoral, pude constatar que não há cristão pobre que não possa descobrir outro irmão com quem possa compartilhar.” (idem).
                  A prática das comunidades que no movimento da acolhida dão-se as mãos em um gesto de amor reflete, conforme também aponta este autor, a prática de Jesus. Jesus não apenas acolhe pessoas e grupos excluídos, mas desafia pessoas ricas a fazer o mesmo, como no exemplo do “jovem rico” (Lc 16,18-30) vendo na “miséria deste personagem (...) sua incapacidade para dar, para compartilhar, para identificar-se com os simples, os ignorantes, os pobres e, dessa maneira, para pôr-se a caminho e seguir a Jesus” (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.109). Assim, conclui o autor, que esta dimensão desenha uma “igreja (...) desinteressada para poder ser compartilhada”, que na perspectiva desta pesquisa, pode ser entendida como uma “comunidade acolhedora da partilha e do amor”.

1.2.2       Dimensão politica: a práxis dos pés ou caminhada da esperança

             A dimensão politica confronta a acolhida com o poder. Quando o poder é usado como acolhida é “o poder da diaconia” (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.112). Quando Jesus lava os pés de seus discípulos ele demonstra seu poder como diaconia, o serviço que iguala todos os seres humanos (Jo 13, 1-20). Acolher, olhando dentro deste texto, para o diálogo entre Jesus e Pedro, é aceitar o serviço em nosso favor e aceitar os desafios de viver servindo outras pessoas (Cf. Jo 13, 8-10a).
            Geralmente na pastoral inclusiva somos motivadas pelo pensamento de que todas as pessoas devem ser acolhidas do jeito que são. Isso nos leva a outras referencias comunitárias como as de Lucas em Atos (10, 34); o apóstolo Paulo aos Romanos (Rm 2, 11); e nas comunidades para as quais se dirigia Tiago (Tg 2, 1). Contudo, a dimensão politica da acolhida nos diz mais. Acolher como poder é dar ao outro ou a outra, a possibilidade de fazer o que nós fazemos, isto é, também acolher e servir. Outro termo usado recentemente para esta ação acolhedora é “empoderar”. Conforme apontam os Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia:
                           A definição de empoderamento é próxima da noção de autonomia, pois se refere à capacidade de os indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher, enfim entre cursos de ação alternativos em múltiplas esferas – política, econômica, cultural, psicológica, entre outras. Desse modo, trata-se de um atributo, mas também de um processo pelo qual se aufere poder e liberdades negativas e positivas. Pode-se, então, pensar o empoderamento como resultante de processos políticos no âmbito dos indivíduos e grupos (ANAIS, 2007; p.486).
                    Desta forma a pessoa estará plenamente acolhida enquanto plenamente integrada, plenamente participativa, plenamente responsável dentro da vida comunitária, pelos desafios que decorrem do seguimento de Jesus Cristo.

1.2.3 Dimensão ideológica: a práxis dos olhos ou o olhar da fé

                O autor usa a imagem do olhar como “conversão”, isto é, uma nova perspectiva de fé que se lança sobre a própria pessoa, sobre as relações interpessoais e sociais e sobre o mundo:
Jesus quer dar novos olhos para que vejam a partir de sua perspectiva. Por isso, ver com os olhos da fé equivale à conversão ou à mudança de valores. Jesus propõe que Deus é libertador, amor, misericordioso, pai acompanhante, compassivo. E, como valores, propõe a seus discípulos a dignidade da pessoa humana, a justiça na distribuição dos recursos, a solidariedade com os marginalizados, o respeito à liberdade do outro, a disposição para servir, a capacidade de suportar os conflitos e um amor universal que supere todas as diferenças existentes entre os seres humanos. (...) Jesus suscita liberdade; frente ao medo, Jesus gera confiança; e frente ao egoísmo, Jesus promove a generosidade. A igreja é a comunidade de crentes em Jesus que vê o Deus da Vida e a própria vida de uma maneira diferente. (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.115)

               Com o olhar da fé percebemos as pessoas que fazem parte da comunidade e aquelas que chegam a ela como uma oportunidade de mudança de valores, de busca de novas relações de justiça e solidariedade, isto é, um olhar acolhedor.

1.2.4       Dimensão ético social: a práxis da boca ou a proclamação da justiça

                Uma boa pergunta seria: se o falar profético pode ser acolhedor? Segundo o autor, o falar profético busca a justiça restitutiva que “faz justiça aos oprimidos e dá pão aos que tem fome. Solta os encarcerados; abre os olhos aos cegos; levanta os abatidos; ama os justos. O Senhor guarda o peregrino, ampara o órfão e a viúva” (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.115). Partindo deste entendimento a fala acolhedora tem que ser uma palavra dignificadora.
                  Não seria o reconhecimento da dignidade humana de todas as pessoas, especialmente daquelas mais discriminadas e excluídas, uma acolhida profética? Ou, dito com outras palavras, como poderíamos proclamar profeticamente esta justiça se não acolhemos da mesma forma pessoas injustiçadas?

1.2.5       Dimensão psicológica: a práxis dos ouvidos ou a escuta da sabedoria

Quando uma pessoa é acolhida em nossas comunidades somos
desafiados a ouvir com atenção e sinceridade. Isto nem sempre acontece, tanto por parte do(da) sacerdote quanto por parte de outras lideranças e membros da comunidade. O desafio neste sentido é nos formar como ouvintes através de práticas de diálogo em grupos, especialmente nos estudos bíblicos e em outras dinâmicas comunitárias. Também pode ser enfatizada esta atitude através do que chamamos de “testemunhos” onde as pessoas são convidadas a relatar sua vivência de fé como exemplo da ação de Deus nas vidas das pessoas. O autor coloca esta questão nos seguintes termos:

Em toda a Bíblia, quando Deus escuta é para libertar, salvar, curar, corrigir, instruir, e ele escuta para relacionar-se com profundidade. A igreja deve desenvolver sua capacidade de atender (ouvir), porque é esta que lhe dá a possibilidade de praticar a sabedoria. A agenda da igreja não está centrada em si mesma, mas em seu exterior. (...) A igreja deve ensinar a escutar e a exercitar a empatia como capacidade de ‘colocar-se na pele do outro’. Diz Bonhoeffer que o primeiro serviço que a igreja pode oferecer é escutar o outro. O princípio da solidariedade provém da escuta atenta e sincera. (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.116).

        Sempre é bom lembrar a atitude de Deus que, ao se revelar como Libertador: vê, ouve e desce (Êx 2,25; Êx 3,7.16). Portanto, a formação acolhedora do ouvir é também um caminho de espiritualidade que leva ao reconhecimento da presença libertadora de Deus.

1.2.6       Dimensão espiritual: a práxis do coração ou o sentimento integrador


A pergunta que nos faz a dimensão do coração é quais são
nossos desejos? Queremos realmente encontrar nossos irmãos/ãs na fé? Estamos dispostos a ouvir Deus e nos permitir transformar? E como podemos tornar nossa comunidade um lugar onde as pessoas desejem mais? Vejamos os desafios que o autor nos coloca:
O coração se apresenta como o centro e o todo da pessoa, a sede da vida íntima: pensamento, memória, sentimentos, decisões. Ele é o centro decisivo da personalidade. Há duas alternativas: abrir o coração a Deus e à sua Palavra, unificar o coração para comprometer-se com o caminho de Deus, ou endurecer o coração e não confiar em Deus e seguir seu próprio caminho. A igreja é chamada a viver ao ritmo do coração de Jesus Cristo (espiritualidade). Sentir como ele sente, pensar e agir como ele age. (...) Porque se trata de que o coração da igreja trabalhe pelo Reino de Deus e sua justiça. A igreja é comunidade de irmãos que abrem seu coração em transparência e clareza para relacionar-se em profundidade (ULLOA CASTELLANOS, 2008; p.117).

            Às vezes ao nosso coração lhe falta compromisso. Este valor do comprometimento esta em crise na pós-modernidade (como aprofundaremos mais a diante). No entanto, pode que a acolhida seja também uma chave para abrir os corações ao comprometimento. Será que poderíamos sonhar com uma partilha de compromissos? Nas promoções paroquiais às vezes conseguimos mais comprometimento e participação de visitantes e pessoas novas, do que de membros mais antigos da comunidade. Uma das causas desta constatação pode ser que as pessoas novas desejam mais o encontro e a partilha do que pessoas que participam a mais tempo e que encaram o compromisso muito mais como uma exigência do que como uma oportunidade.

Extraído do Trabalho de Conclusão de Curso de Integralização, apresentado à Escola de Teologia e Espiritualidade Franciscana, em convênio como o SETEK - 2012.

17 janeiro 2013

OS CÍCLOS E O FIM: AMEAÇA OU ESPERANÇA?



Dr. Humberto Maiztegui Gonçalves[1]
Trabalho apresentado por ocasião da Semana de Oração
pela Unidade dos Cristão na UNILASALLE – 2012.

1.    Introdução

     Este assunto, mesmo que um tanto entediante por sua recorrência, encerra um retrato do sentido da existência humana no seu sentido mais profundo de pura sobrevivência e de transcendência. Vou, em um primeiro momento, mostrar como os ciclos são parte da vida e da ideia de existência humana, inclusive nas Escrituras Judaico-Cristãs, tirando deles os mais básicos ensinamentos sobre a sobrevivência, mas também sobre o papel das divindades e da relação da humanidade com o Universo. Mas que, no mito do Dilúvio, há uma denuncia contra uso terrorista da ameaça do fim e um manifesto de esperança da continuidade da vida em eterna aliança com Deus.

2.    Ciclos como forma de organizar uma cosmologia da vida e da morte, do começo e do fim.

      Antes da Bíblia, e antes de qualquer sistema religioso ou cosmológico vem a Vida. A fé nunca caiu do céu, mas da tensão entre três fatores:
a.    O sentimento humano de transcendentalidade (ou a pretensão humana de alguma forma sobrepujar o fato inexorável da morte).
b.    O contexto vital e a exigência cíclica da sobrevivência (coleta, caça, pesca, ciclos agrícolas, ciclos climáticos, dia e noite, etc.).
c.    A identidade dos grupos humanos e sua organização social, política, econômica e cultural (respondendo questões como quem somos, o que fazemos, o que comemos, o que vestimos, como falamos e como nos relacionamos com outros grupos e com o meio ambiente, etc.).
       Alguns biblistas, bem intencionados, com Wright (O Deus que Age, traduzido pela ASTE) tentaram demonstrar que a fé judaico-cristã ao contrário das chamadas “religiões naturais”, dentro das quais podemos colocar as religiões indígenas e a religião Maia, não estaria condicionada aos ciclos da vida. Por um lado, o que corretamente foi observado por estes estudiosos é que a fé judaico-cristã é fundada por mitos e acontecimentos fundantes de caráter mais histórico do que natural. Portanto, os ciclos bíblicos concentram-se mais no aspecto cronológico do que cosmológico. No entanto, os ciclos cosmológicos aparecem no centro da religiosidade israelita como forma de linguagem, até para se referir à manifestação de Deus na História do Povo. O primeiro ciclo a ser teologizado é o da SEMANA, isto é, o CICLO DE SETE DIAS, ou de SETE ESTÁGIOS.
           Mesmo que o Primeiro Mito da Criação, em Gn 1,1-2,4a, seja de origem pós-exílica, formulado a partir do encontro dialético entre a fé de Israel e a mitologia babilônica (presente em poemas como Gilgamesh e Enuma Elish) a instituição do sábado como dia de descanso é anterior ao exílio. O mesmo acontecia com o ANO SABÁTICO (quando as dívidas eram perdoadas e as terras liberadas para o acesso de todas as pessoas, cf. Dt 15,1-2) e depois o ANO DO JUBILEU (em um cíclo de 7 vezes 7 anos, deixando o ano 50 para a redistribuição da terra, cf. Lv 25,8). Este mesmo ciclo é resgatado pela comunidade do profeta Isaías que o usa como linguagem utópica, isto é, como o CÍCLO DOS CÍCLOS, quando o MESSIAS ou UNGIDO libertaria todo o povo de todas suas mazelas (cf. Is 61,2). Depois, segundo o Evangelho de Lucas, Jesus Cristo teria proclamado este mesmo ciclo como parte do sentido último da sua missão (cf. Lc 4,19).
          Assim o Ciclo passa a ser também uma linguagem ou uma imagem da realização última das esperanças de um povo, isto é, passa a ser um ciclo escatológico, e escatologia nos fala do fim, mas por ser um ciclo, também nos fala de um começo!
         Outra expressão cíclica judaico-cristã foi, ou ainda é, o milenarismo. O Salmo 90,4 diz que para Deus mil anos são como um dia, assim, quase que inocentemente, a Escritura Judaica dá ao menor ciclo natural (o do dia) um valor cronológico (mil anos). A partir disso, rabinos como Eliezer bem Josef propõem uma possível medição cronológica do Ciclo dos Ciclos[2]. Mas é claro que esta não foi a única! No livro de Daniel encontramos ciclos medidos em dias: um primeiro ciclo de 1290 dias e outro de 1335 dias, chegando-se ao “fim dos dias” (Dn 12,11-13).
         No livro de Apocalipse, que entendemos como uma grande liturgia de resistência contra a repressão do Império Romano contra as Igrejas Cristãs da Ásia Menor (mencionadas nos primeiros dois capítulos), a busca da resistência e da esperança resgata a visão dos ciclos milenares de opressão, depois dos quais aconteceria a grande libertação, não apenas dos males da história, mas da própria morte! (Ap 20,1-7.14). Mas, no mesmo livro também são usados os dias como medida de ciclos, assim como antes foi feito no livro de Daniel (1260 dias em Ap 11,3 e 12,6).
         Em geral o anuncio do Ciclo dos Ciclos é marcado por grandes catástrofes. Catástrofes que não são criadas pela cosmovisão cíclica, mas que fazem parte da experiência cotidiana dos povos que as formulam.  Contudo, quando as catástrofes são interpretadas no ciclo representam a esperança de um novo começo, e da plena realização dos todos sonhos humanos em harmonia com todas as qualidades divinas. O fim do mal conhecido é desejado e esperado, pois alimenta a resistência das pessoas que lutam, sofrem e trabalham por um recomeço melhor.

3.    O contra-mito do Dilúvio proclama o fim do fim.
         O contra-mito do Diluvio pode ser interpretado assim porque é uma contestação a tudo o que a mitologia babilônica usava como justificativa para a submissão dos povos. Os simples mortais existiam apenas para servir às divindades e seus representantes terrenos, cf. Enuma Elish. Na releitura do Dilúvio Bíblico, após descrever as hierarquias político-ideológicas dos opressores (como gigantes e filhos das divindades que usavam as filhas da humanidade para gerar valentes e heróis; cf. Gn 6,4), o protagonismo do fim passa para uma humilde família de simples mortais (6,8-9.18), isto é, dos oprimidos como sujeitos de um novo tempo de libertação!
           No Dilúvio morrem todos os opressores, todos os filhos das divindades, finalizando assim um ciclo de opressão. Acontece, portanto, o contrário do que os soberanos anunciavam. Antes os imortais “filhos das divindades” sobreviveriam e o povo morria. Agora o povo vive em harmonia com as criaturas e os filhos das divindades e seus descendentes é que morrem, dando origem a uma cosmologia alternativa. Mas, o manifesto não acaba ali! No final todas as criaturas vivas da terra, humanos e animais, celebram uma aliança tendo o Arco Iris como sinal do NOVO COMEÇO! Nesta nova aliança contra o terror, se proclama o seguinte:
Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do ser humano; porque a imaginação do coração humano é má desde a sua meninice, nem tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz. Enquanto a terra durar, sementeira e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão. Gn 8,21-22.
          Observem que Deus reafirma os ciclos da vida na agricultura, nas estações do ano, e no dia a dia, mas não como instrumento de terror, e sim como sinal de vida! Finalmente reafirma:
E eu convosco estabeleço a minha aliança, que não será mais destruída toda a carne pelas águas do dilúvio, e que não haverá mais dilúvio, para destruir a terra. E disse Deus: Este é o sinal da aliança que ponho entre mim e vós, e entre toda a alma vivente, que está convosco, por gerações eternas. Gn 9:11-12.
4.    Concluindo: o fim e o começo                             
       Portanto, sonhemos, falemos e vivamos a esperança do fim do ciclo que está nos levando ao fim, pela nossa própria capacidade de explorar tudo e todos sem o mais mínimo respeito. Esperemos o fim do domínio dos que se acham, ou querem ser vistos, como “deuses” ou “gigantes” ou “valentes”; e começo de um novo tempo da alegre harmonia e vital convivência entre todas as criaturas. 
      Parece, assim, mais produtivo, que em nossas mentes e corações haja um brilhante Arco Iris, muito mais voltado para o que vai tratar a conferência Rio + 20, e em todos os esforços para tornar este planeta mais habitável e sustentável para a vida em todas suas formas, do que no que nas profecias que certamente acabarão no dia 22 de Dezembro de 2012.



[1] Doutor em Teologia, área de Bíblia, Reitor do SETEK, recentemente foi sagrado Bispo Coadjutor da Diocese Meridional da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.
[2] Gian-Luca POTESTÁ. Milenarismo. In: Dicionário de Teologia, p.1140.