Gênesis 9.8-15
I Carta de São Pedro 3.18-22
São Marcos 1.12-15
As limitações e o caminho do sofrimento
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Só os que não amam escapam do sofrimento! Trata-se de um discernimento discutível mas aponta numa direção sensata. O sofrimento, e o luto como extremo mais doloroso principalmente, são o preço que precisamos todos pagar, eventualmente, pelo amor que assegura a dignidade do viver.
Para quase todos nós, sofrimento e morte são lembranças que preferimos evitar. “Não, muito obrigado!” Convivemos diariamente com a visão de pessoas que, por muitas e diferentes razões, sofrem tanto ou mais que nós. De um modo geral, parece, preferimos “fazer de conta” que a dor e o sofrimento dos outros não é conosco. A “solidariedade” ou “proximidade” sérias podem como que ser mesmo contagiantes. Até quando evidenciamos algum sinal “social” de reconhecimento e respeito, nos deixamos levar logo, logo, pelo silêncio e indiferença.
Talvez sejamos assim, nem tanto por crueldade mas por “ignorância”. Em tempos passados, quando a arte da medicina não dispunha do “arsenal” de hoje, e não conseguia manter muito longe de si os braços das deficiências várias, e da morte, as pessoas pareciam saber lidar mais humanamente com a dor e as limitações. Talvez a noção de respeito fosse diferente! Nossas debilidades de saúde, de qualquer ordem, nas limitações e no sofrimento especialmente, não podem “andar ligeiro!”. Esta é uma lição que nossa sociedade e cultura precisam aprender ainda. Precisaremos dela seja para a solidariedade com outros seja para, mais dia menos dia, nossa própria ajuda.
A vida é difícil, o sofrimento, as limitações da idade e a morte mesma são suas companheiras. São nossas acompanhantes! Levar a sério estas coisas é uma questão de maturidade e sabedoria. Todos temos seres amados a quem gostaríamos de ajudar, proteger, cuidar e aliviar. Todos tememos, por amor, os riscos que ameaçam aqueles a quem amamos. Para quem vive pela fé em Cristo, “no meio da vida estamos na morte!” Este é um padrão que mesmo nossos padrinhos já reconheciam durante nosso batismo. Este é o padrão no qual, cada domingo, somos participantes através dos santos Mistérios do Pão e do Vinho. Agora mesmo, neste tempo santo da Quaresma, talvez mais que em qualquer outro momento do Ano Cristão, somos recordados de que “somos pó e ao pó voltaremos.” Nada há de morbidez no reconhecimento e convívio com este cenário. Não somos “impecáveis” e, sob muitos aspectos, somos todos defectivos. Na alma, no coração, na constituição física e nas circunstâncias da vida. Cada novo dia nos leva mais para perto da casa do Pai. Crescemos na estatura da Graça e fisicamente nos esforçamos por uma vida mais saudável. Mas a curva biológica não muda seu perfil. O curso regular da vida, em seu ritmo “normal” sempre nos confronta com momentos de limitação, desapontamento e incompreensão.
Como adultos, não podemos evitar o confronto maduro com impactos que são, ou serão, inescapáveis e muito pessoais. Entender melhor o impacto da devastação, ou nosso próprio convívio diário com a “roupagem” com que o Criador nos “revestiu”, significa reconhecer também os sentimentos estranhos, amargos e indesejados... como “sintomas” de nossa experiência como criaturas. Na expressão de G. B. Shaw, “As mágoas são a vida mesmo nos educando”.
Aprender a solidariedade e participação nas nossas limitações mútuas é certamente uma grande medicina para aclarar o que, mesmo não percebendo, é para nosso próximo, a tristeza em busca de iluminação. Não se trata de “consolar” a dor ou de minimizá-la, como é usual e mais fácil! A nós compete, como seres humanos, alcançar e encontrar aos que sofrem para que sejam restaurados. Todos precisamos de ajuda e encorajamento, aqui ou ali. Reconhecemos, na limitação dos outros, momentâneas ou não, as dores, o medo, a raiva, a culpa, a frustração, a solidão e, tantas vezes, o sentimento de abandono que os esmaga. Este senso de cuidado e responsabilidade tanto pode ser interpessoal quanto deve ser também, quem sabe, praticado em “pequenos grupos”. Os cristãos e as igrejas deveriam saber disso! Mas não só! Há muitas outras formas humanas de associação humana que têm semelhante dever de compaixão e compromisso.
Nas limitações e adversidade da vida de cada dia, estamos todos no mesmo barco. Ou, nas palavras do Salmo 23, andamos pelo vale da sombra... Quaisquer que sejam as nossas circunstâncias, prevalece sempre a consolação do Pai. Ou, como o C. S. Lewis, teólogo Anglicano tão bem conhecido por seus textos e experiência de vida ao lado da esposa enferma Joy, mais tarde escreveu: “...quanta felicidade, e mesmo contentamento tivemos juntos depois que toda esperança se foi. Como fomos longe, tranqüilos, nutrindo-nos mutuamente naquela que foi a última noite.” (C.S. Lewis, A Grief Observed.)
D. Luiz O. P. Prado