16 novembro 2008

16 de Novembro de 2008 • Trindade XXVI

Leituras

Provérbios 31.10-13, 19-20, 30-31
Salmo 90
I Carta aos Tessalonicenses 5.1-6
Evangelho de São Mateus 25.14-30




PROVIDÊNCIA

“O relato do noivado de Rebeca (Gênesis 24) é uma destas decisões súbitas e inexplicáveis que ocorrem tantas vezes na Escritura. Rute, a moabita, tendo saído para ver sua sogra viúva, em seu caminho de volta para casa, Belém, de repente decidiu andar todo o caminho de volta com ela; se não o tivesse feito, Boaz não teria tido a esposa... e o rei Davi uma bisavó! A falta ou desconhecimento de uma bisavó não era pouca coisa: talvez a pessoa nem tivesse nascido ou, quem sabe, tivesse nascido como alguém totalmente diferente. A idéia, por si só, já faria alguém radicalmente hesitar. Em verdade, qualquer israelita poderia ter dito – ou pode ainda dizer – Onde estaríamos , nós Israel? Como seria Israel sem Rebeca como mãe? O misterioso homem idoso observou as pulseiras no pulso da jovem e olhou para seus olhos: ela se deu conta e concluiu. – Ele me quer para seu filho; e assim ele me terá. – Houve um bom momento de conversa depois disso... e os primeiros arranjos para o casamento. A coisa estava mesmo decidida. O que teria comovido Rebeca? Quem sabe? Labão, seu irmão, era seu guardião e suas filhas mesmas... dele fugiram trinta anos mais tarde; ele não tinha de fato o toque certo para tratar com mulheres jovens, e Rebeca agiu firme. Mas o escritor bíblico não evidencia o pensamento da jovem. Sem dúvida, o Deus de Abraão enviara seu anjo; Rebeca não sabia mesmo o que estava fazendo, mas a Providência sabia o que fazia por ela. Parece quase impossível não crer na Providência, quando consideramos tantas circunstâncias aparentemente tão mutáveis, ou decisões que vão e voltam, na história dos nossos ancestrais... as quais nos fizeram ser o que somos, ou mesmo, que simplesmente nos formaram.Céus! Que risco corremos quando um bisavô hesita... – é algo que quase nos faz parar o coração, só de pensar – estou certo de que ela não sabia do que se tratava; mas os anjos nos conduzem e preparam o caminho para um coração confuso.
Como Deus gerencia, segundo seus propósitos, as aparentes chances da vida, é simplesmente inexplicável; o fato mesmo do seu agir é, na hora, raramente evidente. Só mais claro mas bem depois. O que poderia ter sido mais providencial do que a traição de Judas ou a negação de Pedro? Contudo, a primeira abriu a paixão de Cristo, pela qual somos todos redimidos; e a segunda suscitou que a Igreja, alicerçada em Pedro, se fundasse em penitência e não em heroísmo; e assim mesmo sem sermos heróis, há esperança para todos, pois podemos todos arrepender-nos. Sem o controle de uma infinidade de circunstâncias acidentais, e das loucuras humanas, Deus não teria alcançado seu propósito e estabelecido nossa salvação. Assim mesmo, seu âmago não foi acidental. Quando Cristo permeneceu impassível diante do Sumo Sacerdote e disse que ele encontraria em poder aquele que agora condenava na fraqueza, nada de acidental havia aí, nada de surpreendente, nenhuma decisão impredizível, Providência alguma rejeitada ou ameaçada pelo toque invisível do dedo de um anjo. (São Marcos 14.62). Havia sim uma firme consistência de propósito, lealdade ao Pai e amor por nós; esta a mente invisível da Providência mesma, a vontade que move o mundo; e qualquer que tenha sido a ação de algum acidente providencial nos caminhos de Deus conosco, ele ainda nos salva indepedente das circunstâncias, sem manipulação. Nós não somos salvos a não ser pelo alcance sobre nós, da mente de Cristo.”

Austin Farrer
Words for Life, Providence, página 55
Editado por Charles Conti e Leslie Houlden SPCK, Londres 1993