01 novembro 2008

1 e 2 de Novembro de 2008 • Festival (e oitava) de Todos os Santos e Dia de Todas as Almas

Leituras

Profecia de Neemias 2.1-10
Salmo 40
Apocalipse de São João 6.12
Evangelho de São Mateus 13.24-30


Todos os Santos

Vou contar uma estória que nos vem do tempo ainda logo após a vida de Jesus. Alguns pagãos importunavam duas meninas judias, rindo delas por causa de sua religião. O que poderia ser mais absurdo que a ressurreição? Como pode uma pessoa que literalmente apodreceu e se transformou em pó, viver e respirar novamente. As duas meninas cochicharam por alguns instantes. Então, disse uma delas: Posso contar a vocês um caso, por favor? - Vão em frente, disseram eles. Em nossa aldeia, disse uma delas, havia dois oleiros. Um deles fazia vasilhas a partir de água e barro. Já o outro, as fazia a partir da água somente. Qual deles, segundo vocês, era o mais surpreendente em sua habilidade? - Ora vocês estão dizendo bobagens; mas se tais homens existissem, aquele que fabricava vasilhas a partir da água somente, este seria o mais admirável. – Então, perguntaram elas, como é que vocês mais se surpreenderiam – se Deus fizesse algo novo a partir do pó ou se começasse tudo... só a partir de uma gota de água, desde o início?

Entendo que não há muito acrescentar, mesmo pela mente mais brilhante, à este argumento infantil. Se cremos mesmo em Deus, cremos em um criador que, por sua vontade e poder, gerou todas as coisas, os seres humanos inclusive, não a partir de uma gota de água, mas simplesmente a partir do nada. Ele agora nos refaz, e tem pelo menos a matéria prima; mesmo que o meio como Ele trabalha em nós seja mistério absoluto. De qualquer forma, seria uma forma de fé muito estranha – que permitisse a Deus ter tanto poder para criar todas as coisas – e negar seu poder para criar tudo o que existe, e ainda mais, negar a Ele o poder de recriar a pessoa humana.

O Festival de Todos os Santos não concerne principalmente aqueles que muito particularmente viveram vidas santas aqui na terra, mas àqueles a quem o poder de Deus refez e conduziu ao céu. Crer na existência real desta grande companhia não é o mesmo que crer na existência da alma imortal: é crer em Deus e em sua vontade de nos salvar em vida e aproximar-nos de si próprio. Os santos foram feitos por Deus na sua criação, e por Ele são também refeitos em sua existência celestial. Mas ainda mais, foram feitos o que são pela graça celestial. Deus não só lhes deu existência, deu-lhes também santidade; e é por isso que temos comunhão com eles, e estamos reunidos na comunhão dos santos. O amor divino que neles triunfou também nos conquistará. Se queremos saber o que Deus está fazendo conosco, olhemos para estes seres esplêndidos que partilham da espontaneidade da mente do Criador, da alegria de seu coração e do hálito de seu amor. A religião não é fundamentalmente uma batalha contra o pecado mas uma elevação e reunião à glorificação. Deus nos eleva através de Jesus Cristo, e à Cristo através daqueles que vieram antes de nós, ou que nos acompanham. Cremos, nem todos os que deixaram esta vida terrena já alcançaram a existência celestial e, assim, quando nos regozijamos em todos os santos durante estes dias, continuamos rezando também por todas as almas, especialmente pelos amigos que conhecemos, para que Deus os reúna aos seus santos, por Jesus Cristo.”


Austin Farrer, Homilia para o Festival de Todos os Santos, página 21 de Words for Life, editado por Charles Conti e Leslie Houlden – SPCK, Londres 1993

NOTA: “Austin Farrer, nas palavras de um teólogo proeminente – foi o maior dentre os pensadores Anglicanos em sua geração, reputação que se mantém mesmo após sua morte em 1968. Teólogos e filósofos o reconhecem como uma das mentes mais brilhantes na Oxford de seu tempo. Um escritor, trabalhando o perfil de Farrer, declarou que ele conseguiria que um ateu de verdade... desejasse a fé verdadeira. Helen Oppenheimer, colega de Farrer, escreveu em seu The Hope for Happiness que o século 20 não ficou vazio de profetas. Ela incluía Farrer ao lado de Teilhard de Chardin e Karl Barth. É bom agora lembrarmos de Farrer “feliz no Senhor”, celebrando a alegria ilimitada do pensar teológico. Os sermões de Farrer resistem ao teste do tempo. Eles testificam a sensibilidade de um homem que combinava compromisso e contentamento.”

Prefácio por Charles Conti, Universidade de Sussex