17 fevereiro 2008

2º. Domingo da Quaresma

Leituras

Gênesis 12.1-8
Salmo 33.12-22
Carta de São Paulo aos Romanos 4.1-5(6-12)13-17
Evangelho de São João 3.1-17

A transformação exige metanóia
SS. Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico*

Transformação como cura para o coração
A Filocalia, uma antologia clássica de textos cristãos sobre oração, destaca o paradoxo impressionante de que a transformação seja conquistada por meio do silêncio: "Quando descobrirmos o silêncio em nossos corações, discerniremos Deus no mundo todo!" Em outras palavras, a transformação começa com a consciência de que Deus está no centro de toda a vida. "Fica em silêncio, e conhece a Deus." (Salmos 44,1). Por meio do silêncio, damo-nos conta de que a graça de Deus está muito mais próxima de nós; na verdade, ela faz mais para definir quem somos do que nós mesmos! A transformação do coração é a profunda consciência de que "o reino de Deus está dentro de vós" (Lucas, 17:21). A transformação interna, contudo, exige mudanças radicais. Na terminologia religiosa, ela exige metanóia - uma mudança de atitude e pressupostos. Não podemos ser transformados a menos que tenhamos antes sido limpos do que quer que se coloque contra a transformação, e tenhamos entendido o que desfigura o coração humano. Esse processo de auto-descoberta resulta apenas da graça de Deus e acaba levando a um respeito verdadeiro pela natureza humana, com todos os seus defeitos, tanto em nós mesmos quanto nos outros. Ele abre caminho para o respeito por todos os seres humanos, independentemente de diferenças, dentro da sociedade e da comunidade global. Através da transformação interna, essas diferenças são bem recebidas, honradas e assumidas como peças únicas de um quebra-cabeça sagrado; elas fazem parte do mistério mais profundo da criação maravilhosa de Deus.

A transformação como cura da comunidade
A transformação do coração surge na transformação da comunidade. A transformação é uma visão de conexão e compaixão. Que lástima que nós, cristãos, muitas vezes dissociemos espiritualidade de comunidade.
Quando nossos corações são transformados pela graça divina, vemos o mundo de forma diferente e somos levados a agir com graça. Por meio da graça transformadora de Deus, somos capacitados para buscar soluções para o conflito através do intercâmbio aberto, sem recorrer à opressão ou à dominação.
Sendo assim, por meio da graça divina, está em nosso poder aumentar a dor infligida a nosso mundo ou contribuir para sua cura. [...] A transformação demanda despertar da indiferença e levar a compaixão a vítimas da pobreza e de todas as formas de injustiça na condição de comunidades de fé e líderes religiosos, devemos imaginar e desencadear caminhos alternativos, que rejeitem a violência e reconheçam a paz. Nossa época será lembrada em função daqueles que se dedicam à cura e à transformação da comunidade. Nosso mundo será moldado por aqueles que crêem e "assim, pois, sigamos as coisas que servem para a paz" (Romanos, 14:19).
Esse tipo de transformação é nossa única esperança de romper o ciclo vicioso da violência e injustiça - vicioso precisamente porque é o fruto do vício. A guerra e a paz são sistemas, e significam sistemas contraditórios de resolver conflitos. [...] Fazer a paz é uma questão de escolha individual e institucional, bem como de mudança individual e institucional. Para isso também é necessária a metanóia - uma mudança nas políticas e práticas. Fazer a paz requer compromisso e coragem, e demanda de nós uma disposição de nos tornarmos comunidades de transformação e buscar a justiça como pré-requisito para a transformação global.

A transformação como cura da Terra
[...] Quando somos transformados pela graça divina, podemos discernir adequadamente a injustiça da qual somos participantes ativos e não meros observadores passivos. Quando somos tocados pela graça de Deus, choramos pela des-graça que causamos ao não compartilhar os recursos de nosso planeta. Portanto, assim como a transformação do coração e da comunidade, a consciência ecológica também deriva da graça de Deus e requer uma metanóia correspondente - uma mudança de hábitos e estilos de vida. Paradoxalmente, tornamo-nos mais conscientes do impacto de nossas ações sobre outras pessoas e sobre a criação quando estamos preparados para abrir mão de alguma coisa. Porque, ao esvaziarmos nosso coração de nossos desejos egoístas, damos espaço para a graça de Deus. [...] Muitas vezes, nossos esforços pela reconciliação e transformação são prejudicados por uma falta de disposição de renunciar a formas estabelecidas como indivíduos ou instituições, por nossa recusa a abrir mão de qualquer consumismo de desperdício ou nacionalismo arrogante. Uma visão de mundo transformada nos permite perceber o impacto duradouro de nossas maneiras de agir sobre outras pessoas, especialmente os pobres, como imagem sagrada de Cristo, bem como o meio-ambiente, como sendo a marca silenciosa de Deus.

(*) Sua Santidade Bartolomeu I, arcebispo de Constantinopla, Nova Roma e patriarca ecumênico, é "primeiro entre iguais" entre os primazes das igrejas ortodoxas, com aproximadamente 250 milhões de fiéis em todo o mundo. [Fonte: 9ª Assembléia do CMI - Porto Alegre, Brasil]