01 março 2009

1º de Março de 2009 • Quaresma I

Leituras do Domingo
Gênesis 9.8-15
I Carta de São Pedro 3.18-22
São Marcos 1.12-15


As limitações e o caminho do sofrimento

Conhecemos todos um sem número de deficiências humanas que abalam a tão instável compreensão de “saúde”. Sabemos também de admiráveis casos de coragem moral e força de vontade em que pessoas, passando por grande sofrimento ou perdas de partes seu próprio corpo ou de algumas de suas capacidades, afirmam um testemunho de bravura e confiança na vida que por momentos nos elevam acima de nós mesmos. Há também a lembrança de rostos, organizações e legislação que mais e mais tentam dar de si como reconhecimento de uma dívida social para com os que, embora humanamente “deficientes”, são tanto ou até mais “capazes” que os assim tidos como “saudáveis”.
Só os que não amam escapam do sofrimento! Trata-se de um discernimento discutível mas aponta numa direção sensata. O sofrimento, e o luto como extremo mais doloroso principalmente, são o preço que precisamos todos pagar, eventualmente, pelo amor que assegura a dignidade do viver.
Para quase todos nós, sofrimento e morte são lembranças que preferimos evitar. “Não, muito obrigado!” Convivemos diariamente com a visão de pessoas que, por muitas e diferentes razões, sofrem tanto ou mais que nós. De um modo geral, parece, preferimos “fazer de conta” que a dor e o sofrimento dos outros não é conosco. A “solidariedade” ou “proximidade” sérias podem como que ser mesmo contagiantes. Até quando evidenciamos algum sinal “social” de reconhecimento e respeito, nos deixamos levar logo, logo, pelo silêncio e indiferença.
Talvez sejamos assim, nem tanto por crueldade mas por “ignorância”. Em tempos passados, quando a arte da medicina não dispunha do “arsenal” de hoje, e não conseguia manter muito longe de si os braços das deficiências várias, e da morte, as pessoas pareciam saber lidar mais humanamente com a dor e as limitações. Talvez a noção de respeito fosse diferente! Nossas debilidades de saúde, de qualquer ordem, nas limitações e no sofrimento especialmente, não podem “andar ligeiro!”. Esta é uma lição que nossa sociedade e cultura precisam aprender ainda. Precisaremos dela seja para a solidariedade com outros seja para, mais dia menos dia, nossa própria ajuda.
A vida é difícil, o sofrimento, as limitações da idade e a morte mesma são suas companheiras. São nossas acompanhantes! Levar a sério estas coisas é uma questão de maturidade e sabedoria. Todos temos seres amados a quem gostaríamos de ajudar, proteger, cuidar e aliviar. Todos tememos, por amor, os riscos que ameaçam aqueles a quem amamos. Para quem vive pela fé em Cristo, “no meio da vida estamos na morte!” Este é um padrão que mesmo nossos padrinhos já reconheciam durante nosso batismo. Este é o padrão no qual, cada domingo, somos participantes através dos santos Mistérios do Pão e do Vinho. Agora mesmo, neste tempo santo da Quaresma, talvez mais que em qualquer outro momento do Ano Cristão, somos recordados de que “somos pó e ao pó voltaremos.” Nada há de morbidez no reconhecimento e convívio com este cenário. Não somos “impecáveis” e, sob muitos aspectos, somos todos defectivos. Na alma, no coração, na constituição física e nas circunstâncias da vida. Cada novo dia nos leva mais para perto da casa do Pai. Crescemos na estatura da Graça e fisicamente nos esforçamos por uma vida mais saudável. Mas a curva biológica não muda seu perfil. O curso regular da vida, em seu ritmo “normal” sempre nos confronta com momentos de limitação, desapontamento e incompreensão.
Como adultos, não podemos evitar o confronto maduro com impactos que são, ou serão, inescapáveis e muito pessoais. Entender melhor o impacto da devastação, ou nosso próprio convívio diário com a “roupagem” com que o Criador nos “revestiu”, significa reconhecer também os sentimentos estranhos, amargos e indesejados... como “sintomas” de nossa experiência como criaturas. Na expressão de G. B. Shaw, “As mágoas são a vida mesmo nos educando”.
Aprender a solidariedade e participação nas nossas limitações mútuas é certamente uma grande medicina para aclarar o que, mesmo não percebendo, é para nosso próximo, a tristeza em busca de iluminação. Não se trata de “consolar” a dor ou de minimizá-la, como é usual e mais fácil! A nós compete, como seres humanos, alcançar e encontrar aos que sofrem para que sejam restaurados. Todos precisamos de ajuda e encorajamento, aqui ou ali. Reconhecemos, na limitação dos outros, momentâneas ou não, as dores, o medo, a raiva, a culpa, a frustração, a solidão e, tantas vezes, o sentimento de abandono que os esmaga. Este senso de cuidado e responsabilidade tanto pode ser interpessoal quanto deve ser também, quem sabe, praticado em “pequenos grupos”. Os cristãos e as igrejas deveriam saber disso! Mas não só! Há muitas outras formas humanas de associação humana que têm semelhante dever de compaixão e compromisso.
Nas limitações e adversidade da vida de cada dia, estamos todos no mesmo barco. Ou, nas palavras do Salmo 23, andamos pelo vale da sombra... Quaisquer que sejam as nossas circunstâncias, prevalece sempre a consolação do Pai. Ou, como o C. S. Lewis, teólogo Anglicano tão bem conhecido por seus textos e experiência de vida ao lado da esposa enferma Joy, mais tarde escreveu: “...quanta felicidade, e mesmo contentamento tivemos juntos depois que toda esperança se foi. Como fomos longe, tranqüilos, nutrindo-nos mutuamente naquela que foi a última noite.” (C.S. Lewis, A Grief Observed.)

D. Luiz O. P. Prado